quarta-feira, 13 de abril de 2011

FAZENDO APOLOGIA DO TERROR

Mais uma vez, a revista Veja na sua insaciável procura por factóides sensacionalistas, publica um artigo com conotações de exagero que beira o ridículo. Tanto é que seus leitores cativos ficam num estado de transe neurótico, imaginando o Brasil inundado por terroristas islâmicos. Não vamos entrar no mérito se há algum ou outro maluco disfarçado de Al Qaeda circulando pelas ruas de São Paulo. Mais uma rede comandada por extremistas que estendem seus tentáculos no Brasil? Parece a mesma história das FARC na época das eleições. Agora muda o endereço. Só faltava publicar nas próximas edições que a presidente Dilma namora Osama Bin Laden, ou que está sendo preparado um atentado ao Cristo Redentor com mísseis palestinos. Na entrelinhas há uma acusação velada ao comportamento da nossa diplomacia, da Polícia Federal e do Tribunal de Justiça do Brasil. Sinceramente, suspeito que os maiores assinantes da revista em questão devam ser o Pentágono, a CIA e o FBI. É possível, já que os mesmos têm centenas de agentes circulando pelo Brasil e além. Seguramente á toa, errando na previsão de seus relatórios. Os leitores acham que estou de gozação? Nada disso. Vamos fazer um pouco de história para entender porque essas agências não são muito confiáveis. A análise psicológica as enquadraria na síndrome do “surto hollywoodiano” muito usado em outras latitudes, mas incapazes de detectar ou denunciar os “inimigos íntimos” dentro do próprio país. Desde 1996, o FBI sabia que Al Qaeda poderia usar aviões em ataques suicidas contra o quartel geral da CIA ou outros grandes edifícios do governo. Nunca levou isso a sério. Bom, o Serviço de Inteligência Americano tinha certeza que no Iraque havia armas de destruição de massa. Os pobres coitados foram arrasados por causa disso. E as armas nunca foram encontradas. Para não ser tão ácido na minha crítica, vou dizer que um agente do FBI, cujo nome ainda permanece em sigilo, relatou ao Comitê do Congresso Americano que seus superiores, no dia 29 de agosto de 2001, algumas semanas antes do 11 de setembro, o proibiram de deter Khalid Al-Midhar, um dos seqüestradores do avião AA77, lançado contra o pentágono. Existem centenas de relatos de militantes islâmicos investigados durante sua estadia nos Estados Unidos, muitos deles participantes dos atentados. A própria CIA tinha o telefone e endereço de Marwan al-Shehhi, o terrorista que pilotava o avião do vôo 175 da United Airlines, que foi arremetido contra o World Trade Center. Apenas 48 horas depois do atentado, o governo norteamericano responsabilizava o saudita Osama Bin Laden como autor intelectual do ato terrorista, com uma rapidez impressionante. Tudo montado ao melhor estilo da “sétima arte”. A brutalidade do atentado do 11 de setembro, tornou propícia a declaração de guerra pelo então presidente George W. Bush, sem saber muito bem contra quem. Depois, num ato de fundamentalismo cristão, declarou que a guerra era do “bem contra o mal”. No entanto, tal acontecimento esconde uma verdade muito mais aterradora, já que isto permitiu ao governo Bush que legitimasse, através de um documento classificado como “Top Secret”, a invasão do Afeganistão e do Iraque, com a justificativa para a guerra global contra o terror. Oficializando o islamismo como o novo inimigo, abriu-se a porta para a conquista dos povos árabes, introduzindo neles, baixo o manto da democracia ocidental, a expansão capitalista. No momento em que Brasil reserva para si mesmo a definição de seus interesses nacionais, livres da tutela de quem seja, tratando de encontrar seu espaço político e econômico, buscando sua autonomia em confronto com as estruturas de poder mundial, estranhamente aparecem artigos que tentam criminalizar seu projeto de estado, enquadrando seu papel geográfico a mero receptáculo de organizações terroristas, que usam seu território para disseminar o extremismo islâmico. Só falta que o governo dos Estados Unidos, com seus olhos no Pré-sal, nos coloque na vala comum do “eixo do mal” e das incertezas futuras.

Victor Alberto Danich

Sociólogo

O IMPÉRIO ATACA DE NOVO

Foi o presidente Obama que deu o sinal verde, desde o Brasil, para atacar a Líbia. Logo continuou seu itinerário por Chile e El Salvador, cumprindo um roteiro inestimável aos interesses norteamericanos, profundamente abalados durante o governo de George H.W. Bush. Assim de simples, entre sorrisos e promessas. A resolução do Conselho de Segurança das Nações Unidas autorizando ataques aéreos contra as forças de Muamar Khadafi foi aprovada com dez votos a favor e cinco abstenções. Tal iniciativa visava a criar uma zona de exclusão aérea de modo a resguardar a vida de civis indefesos. Entretanto, não foi o que realmente aconteceu, já que os ataques se entenderam além dessa limitação, destinada a favorecer os rebeldes armados até os dentes. Não por acaso a abstenção partiu por parte de nações que estão curtidas na luta contra antigos imperialismos, hoje disfarçados de democráticos e defensores dos direitos humanos. Entre eles encontram-se os países do BRIC – Brasil, Rússia, Índia, China, e mais, quem diria, a própria Alemanha. Estes países partem da ideia de que não adianta a condenação com o uso da força nas relações internacionais, e sim através do diálogo. Isso não importa para o império americano. O negócio dele é fazer guerras contra qualquer um, usando como fachada a coalizão da Organização do Atlântico Norte – OTAN, delegando a seus aliados a execução das operações militares com base na resolução do Conselho de Segurança. Uma escapatória elegante para fazer negócios sem correr o risco de reviver o fiasco do Iraque e Afeganistão. Alguns leitores devem imaginar que estou a favor do governo Líbio. Por tanto, torna-se necessário fazer a ressalva. Muamar Khadafi exibe o autoritarismo clássico dos países muçulmanos, resultado de longas disputas tribais pela hegemonia entre famílias ou monarquias. Tanto é assim, que em 2006 os EUA retiraram a Líbia da lista dos países terroristas, facilitando a viabilização de contratos milionários na área energética. O pobre Obama, refém dos republicanos ultraconservadores do Tea Party, é incapaz de confrontar-se com a ideia generalizada de que a guerra faz parte da recuperação política e econômica dos Estados Unidos. Dizer não a isto significa um suicídio político prematuro. Resulta muito melhor dar a ordem para que o ataque lhe garanta uma pós-vida eleitoral. No meio desse teatro operacional, passa inerte a lembrança de um dos maiores crimes cometidos aos direitos humanos no século passado, que ocorreu justamente sob os olhos indiferentes das Nações Unidas, a mesma que hoje autoriza qualquer ataque. O massacre de Ruanda em 1994, país africano sem qualquer importância estratégica para os países ocidentais, viveu um dos maiores genocídios na história do país, no qual morreram perto de um milhão de pessoas. O patético desenlace aconteceu perante a indiferença daqueles que aprovaram a resolução do conselho de Segurança contra a Líbia, que são os Estados Unidos, Grã-Bretanha e França, cada qual com suas justificativas imperiais delirantes. Para falar do século atual, devemos lembrar o que está acontecendo no Bahrein, ocupado por tropas de Arábia Saudita e dos Emirados Árabes. Por outro lado, a revolta no Iêmen onde os manifestantes são dispersos a tiros, não recebeu até agora qualquer manifestação por parte da ONU, reduzida apenas a declarações de condenação moral. Por último, voltando a nossa latinoamérica, o presidente Obama perdeu a chance histórica de pedir desculpas em nome do seu país, pela colaboração criminosa deste nos golpes de Estado e assassinatos de milhares de militantes políticos perpetuados na Argentina, Chile e Uruguai durante a década de 70. No entanto, em vez de criar uma zona de exclusão em torno da Escola de Mecânica da Armada na Argentina ou no Estádio Nacional do Chile, de modo a evitar o massacre de tantos inocentes naquela época, o império optou por financiar os furiosos ditadores de plantão, resguardando a divisão do mundo no eterno maniqueísmo econômico dos fortes contra os fracos.

Victor Alberto Danich

Sociólogo

A TEORIA DA CLASSE OCIOSA

Na virada do século vinte, os Estados Unidos estavam prestes a se tornar a maior economia do mundo. Possuindo um mercado tão importante como o britânico, mas represado nas suas forças produtivas, bastou apenas um espetacular avanço tecnológico para que os custos de produção se tornassem cada vez mais baratos e, com isso, houvesse o repentino surgimento das “Câmaras de Comércio”, instituições destinadas a influenciar os preços do mercado. O interesse não revelado destas organizações era estabelecer acordos entre as empresas, de modo a limitar a produção e manter níveis de preço, obtendo assim lucros exorbitantes a custa dos consumidores. Apesar da declaração de ilegalidade por meio de leis antitrustes, as maiores companhias norteamericanas começaram a vender por preços inferiores aos dos seus concorrentes menores para depois, num golpe de misericórdia, assumir o controle. Os grandes conglomerados que surgiram destas operações, geravam lucros tão formidáveis que podiam exercer um controle absoluto do mercado sem interferências. Uma riqueza ilimitada começava a surgir nos Estados Unidos, criando gigantes econômicos que modelavam as bases para o domínio do mundo através de uma elite social diminuta e astuta. O dinheiro nas mãos desses indivíduos não podia parar. O século vinte surgia sob o comando de uma nova classe de empreendedores predadores, que assumira o controle da sociedade, que desafiava o próprio governo e se reproduzia sem dificuldades na “terra dos livres”. Thorstein Veblen, um filósofo norteamericano de origem norueguês, que ocupava um cargo docente na Universidade de Chicago, em 1892 – conhecido por seus colegas como uma pessoa excêntrica e sarcástica – foi, curiosamente, um dos maiores críticos da economia liberal que vigorava na época. Ele concluiu que os modelos matemáticos que se baseavam no comportamento racional, propostos pelos teóricos neoclássicos, tinham pouco a ver com os processos econômicos que moldavam a sociedade. As influências das forças históricas e psicológicas eram muito mais importantes na conformação da sociedade capitalista do que apenas o comportamento maximizador e egoísta. Tal pensamento foi condensado no livro “A teoria da classe ociosa”, publicado em 1899. O prólogo começa com a seguinte frase: “A instituição de uma classe do ócio é encontrada em seu melhor desenvolvimento nos estágios mais elevados da cultura bárbara”. Tal conjectura estava baseada nas atividades econômicas exibidas pela sociedade norteamericana opulenta da época. Os ricos estavam convencidos que eram diferentes dos demais. As riquezas que ostentavam, não eram simplesmente um “acidente da existência, e sim um reflexo de sua superioridade biológica”. A classe a qual pertenciam estavam livres de atividades servis. “Enquanto outras formas de vida inferiores trabalhavam, eles viviam sem esforço, nada fazendo”. Nesse caso, o ócio era sua definição qualitativa, que deveria ser exposto como forma de poder e superioridade. Não apenas como um fator de diferenciação, senão que esta qualidade devia ser demonstrada através “da viva e infatigável capacidade de pagar”. Veblen explicava magistralmente este comportamento na análise dos setores mais privilegiados da sociedade: “Todo sentido de gastar dinheiro estava em impressionar os outros” – e acrescentava – “ Despertar a inveja dos vizinhos só aumenta a sensação de importância que se tinha”. A classe ociosa não gastava dinheiro de forma ostentatória em coisas úteis – isso era para os que precisavam de dinheiro, não para os que estavam acima dele. O estudo da relação íntima entre um modelo econômico e o comportamento social dos seus executores, possibilita enquadrar as manifestações ideológicas destes na manutenção e perpetuação do sistema. O filósofo e matemático Paul Strathern faz uma análise divertida do livro de Veblen, ao dizer que este escrevera o equivalente socioeconômico de “A roupa nova do imperador” de Christian Andersen. “Descobrira-se que os ricos não vestiam nada senão seus próprios delírios de grandeza”.

Victor Alberto Danich

Sociólogo

O COMUNISMO CHINÊS E A ESCOLA DE CHICAGO

O já falecido Milton Friedman, paizão da Escola de Chicago, sempre repetia com orgulho que as liberdades políticas são secundárias em relação à liberdade de comércio sem restrições. E isto se ajustava perfeitamente ao que o governo chinês estava fazendo no inicio da década de 80. O partido comunista estava disposto a abrir a economia à propriedade privada e ao consumismo, sem necessidade de perder ou renunciar ao controle do Estado. Tal privatização permitia a possibilidade, assim como aconteceu na ex-União Soviética, de que os ativos do Estado passassem para as mãos das autoridades do partido e seus familiares, repartindo-se desse modo os pedaços mais rentáveis do negócio. Tal modelo era uma reedição do experimento realizado por Friedman no Chile de Pinochet: “mercados livres combinados com um controle político autoritário, que institucionalizasse uma repressão com mão de ferro”. Quando aconteceu o protesto na Praça de Tiananmen em 1989, este foi descrito pela imprensa mediática internacional como um confronto entre intelectuais progressistas, que desejavam a implantação das liberdades democráticas de tipo ocidental, e os dirigentes autoritários que queriam resguardar o Estado comunista como mentor das reformas. Entretanto, um dos organizadores dos protestos na praça, Wang Hui, destacado intelectual da “nova esquerda chinesa”, deu uma nova versão ao Massacre da Praça da Paz Celestial. Segundo Hui, os manifestantes, compostos por amplos setores da sociedade chinesa, representavam o descontento popular perante as mudanças econômicas de Den Xiaoping, que tiveram como resultado um desemprego brutal, com a conseqüente redução salarial e escalada de preços. Estas manifestações não estavam focadas na reforma econômica e sim contra sua natureza, de clara orientação neoliberal e antidemocrática. Curiosamente, o ocidente capitalista aplaudia as manifestações como se fosse um triunfo do livre mercado, resultado de uma guerra ideológica entre o comunismo e a democracia. Poucos perceberam que a sangrenta ofensiva contra os manifestantes não era, como muitos acreditam, a defesa do comunismo, e sim a do próprio capitalismo. Para Den Xiaoping, tal iniciativa criava a possibilidade de um livre mercado ilimitado. O terror na praça facilitou o caminho para a transformação econômica sem qualquer tipo de oposição. Os métodos mais severos da lei marcial imposta na China depois das revoltas, permitiu a reconversão do país nos moldes do capitalismo sonhado por Milton Friedman: um depósito da mão de obra mais barata do mundo, e, portanto, o lugar preferido dos setores de produção subcontratados de quase todas as multinacionais do planeta. Poucos países oferecem tantas vantagens lucrativas para os investidores estrangeiros do que a China. Impostos reduzidos, mão de obra abundante, salários baixos e, principalmente, ausência do Estado na sua capacidade de resposta social. Para os investidores de todo o mundo, a china transformou-se no paraíso dos negócios lucrativos. O partido comunista faz sua parte no bolo neoliberal. Não por acaso os 90% dos bilionários chineses são filhos de funcionários do partido comunista. Estes senhores controlam uma riqueza que beira aos 260 bilhões de dólares. A participação da Escola de Chicago nesta configuração corporativista pode ser atribuída ao seu principal mentor, Milton Friedman, que nas repetidas visitas ao país oriental, sempre lembrava que os “mercados privados livres levariam a China a promover tanto a liberdade como a prosperidade”. Expressões dessa natureza, tão longe dos setores excluídos da sociedade, vítimas inocentes dos teóricos da velha afirmação liberal - que os mercados livres e os povos livres formam um projeto conjunto inseparável – leva-nos a acreditar que estamos no final da evolução ideológica da humanidade e da forma definitiva de governo humano. No entanto, os acontecimentos na Praça de Tiananmen revelam-nos a semelhança entre o comunismo autoritário e o capitalismo da Escola de Chicago na implantação de um mercado livre, fundamentalista e sem fronteiras. Pobre de nós, pobres.

Victor Alberto Danich

Sociólogo