quarta-feira, 7 de abril de 2010

O OUTRO LADO DA OPULÊNCIA

Quando a gente vive distante das vidas exauridas pelos infortúnios da pobreza, apenas temos uma visão subjetiva do que isso significa, e, para livrar-nos do desconforto de ter que conviver com tamanha tragédia, terminamos assumindo uma aceitação passiva perante o fenômeno. O que podemos fazer, perguntamo-nos? A resposta termina-se perdendo no meio de infinidades de justificativas superficiais, centradas apenas na identificação daqueles que contribuem para manter e reproduzir tal situação. A falta de indignação pública também pode ser considerada um fator decisivo para tolerar o sofrimento de milhões de seres humanos. No entanto, a visão generalizada da pobreza não vai além do que imaginar que esta é resultado da escassez ou da incapacidade dos indivíduos em gerar renda.
A humanidade sempre esteve sujeita a níveis elevados de desigualdade endêmica, potencializando e reproduzindo a discriminação social das formas mais diversas. A América Latina se destaca como uma região onde a enorme parcela de riqueza nacional está nas mãos dos muito ricos, colocando estatisticamente nosso continente sul-americano nos patamares da África em termos de distribuição de renda. Se observarmos o mundo na sua totalidade, a desigualdade global entra no campo da criminalidade omissa. A renda dos 500 bilionários mais ricos do mundo supera a dos 416 milhões de pessoas mais pobres do planeta. A cada minuto, todos os dias, uma mulher morre no parto ou durante sua gravidez, e, ao mesmo tempo, 20 crianças falecem por causa de doenças que poderiam ser evitadas.
Enquanto o mundo se globaliza economicamente, num vasto processo de integração através dos meios de comunicação e transportes cada dia mais eficientes, o preço político do aumento da desigualdade torna-se insuportável. O próprio Banco Mundial fez uma projeção com base em dados da distribuição de renda no mundo, mostrando que se os níveis de desigualdade global “pudesse ser reduzida pelo menos aos níveis registrados em Haiti, o número de pessoas que sobrevivem com menos de US$ 1 por dia cairia pela metade, para cerca de 490 milhões”. Mostra um dado ainda mais perturbador “Se a distribuição de renda observada num país médio como a Costa Rica” – fosse alcançada mundialmente – “o número dessas pessoas em situação de extrema pobreza, cairia para 190 milhões”.
Por outro lado, falar de saúde deficiente por causa da pobreza, também implica estar incapacitado em consumir água limpa. Um contingente de 1,1 bilhão de pessoas ainda não possuem acesso à água tratada para consumo humano, sendo que 2,6 bilhões nem sequer tem acesso a qualquer tipo de saneamento básico. As doenças transmitidas pela água contaminada são a segunda maior causa de morte das 3.900 crianças em todo o mundo por dia. Nesse contexto de pobreza absoluta, mais de 880 milhões de pessoas estão desnutridas ou em estado de subnutrição, apesar de que há alimentos suficientes para mitigar tamanha tragédia. Ao mesmo tempo, tal situação se reverte como problema econômico, conforme o próprio Banco Mundial divulga: “para cada ano que a fome permanece nesses níveis, óbitos prematuros e deficiências acumuladas privam os países em desenvolvimento de cerca de US$ 500 bilhões em produtividade e receitas perdidas”.
Falar de pobreza como retórica acadêmica não serve para nada. Tentar resolver as coisas a partir de uma ação solitária, também não. A opção mais viável continua sendo a combinação de direitos e de obrigações que vincula os indivíduos ao Estado. A participação ativa dos cidadãos em atividades políticas deve permitir, através deste, a realização de ações coletivas, de modo a operacionalizar políticas públicas que assegure um crescimento econômico inclusivo. A promessa neoliberal de um mundo desenvolvido para todos, transformou-se num profundo fracasso. O que é pior, idealizado através de um modelo sustentado pela especulação financeira como única meta para acumular riquezas, sem dor e sem remorso.
Victor Alberto Danich
Sociólogo