quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

RELIGÕES QUE ASSUSTAM

Dizer que as religiões, sejam quais forem, ajudam-nos a entender a construção moral da sociedade, não é segredo para ninguém. O ato religioso faz parte do inconsciente coletivo da humanidade, fundamentalmente no que se refere à sobrevivência da espécie. Em Miquéias, somos induzidos a agir com justiça e misericórdia. No Êxodo, somos proibidos de cometer homicídio; no Levítico, devemos amar o nosso próximo com a nós mesmos, e, finalmente, nos Evangelhos, somos persuadidos a amar os nossos inimigos. Ler a Bíblia é fascinante, porque encontramos nela inúmeras situações conflitivas. Entre elas, os rios de sangue derramado pelos seguidores dos livros nos quais são citadas tais exortações de boas intenções.
Em José, por exemplo, ou na segunda metade dos Números, é celebrado o assassinato em massa de homens, mulheres, crianças e animais domésticos nas terras de Canaã. Jericó é destruída com a justificativa de que, em troca da circuncisão dos filhos e a adoção de um conjunto de rituais por parte dos homicidas, estes receberiam, como pactuado, a terra prometida. A Sagrada Escritura, sem deixar transparecer qualquer sentimento de culpa, expressa: “José destruiu tudo o que respirava, como o Senhor Deus de Israel havia ordenado” (José, 10:40). Histórias parecidas são encontradas nos livros de Saul, Ester e inúmeros lugares da Bíblia, sem que apareça neles qualquer vestígio de angustia moral.
Tais episódios me lembram do maior suicídio coletivo dos seguidores de Jim Jones, no qual 913 cidadãos norteamericanos tiraram a própria vida em Jonestown, Guiana inglesa. Todos os mortos, dos quais 276 eram crianças, faziam parte da Igreja Cristã do Templo do Povo. A seita religiosa tinha como marca registrada as obras de caridade, mas que também provocaram uma série de escândalos, que resultaram numa investigação por sonegação de impostos. Foi essa a razão pela qual Jones foi para a floresta da Guiana, onde reconstruiu sua nova Igreja. O trabalho cansativo e uma alimentação inadequada terminou provocando conflitos no seio do culto. Para eliminar qualquer tipo de dissidência, Jones aplicava uma combinação de drogas, intimidação e castigos brutais nos descontentes. Conhecendo os fatos, o parlamentar estadunidense Leo Ryan, viajou para Jonestown com um grupo de representantes da mídia, do governo e familiares dos crentes. Ao chegar, o grupo foi atacado, resultando na morte do deputado e de outras pessoas. Nesse desenlace confuso de religiosidade impregnada de crenças fundamentalistas, os seguidores do culto se enfileiraram docilmente para receberem, convictos de sua auto-imolação, um a um, o seu coquetel de Valium com cianureto. Resta-me argumentar se não existe alguma coisa de doentio na formatação da nossa humanidade, que mistura atos de misericórdia com crueldades inimagináveis. Talvez seja o ponto intermediário entre a realidade como construção cultural e nossa própria, porém negada, origem animal.
Victor Alberto Danich – Sociólogo