quinta-feira, 21 de outubro de 2010

ENTRE DEUSES E RELIGIÕES

A campanha deflagrada para o segundo turno se esvazia numa disputa inútil sobre fatos secundários com referência ao debate que importa. Encontrou-se uma brecha no campo das crenças para esconder as propostas que realmente interessam à população brasileira. Não há nada de novo nisso. Já aconteceu nas disputas passadas. A incitação ao pânico que pode provocar qualquer tipo de mudança, mesmo conceitual, termina eliminando o confronto de ideias que permitam traçar metas claras para o futuro do Brasil. Mais uma vez são veiculados aqueles discursos que falam de tabus e religiosidade, como se isso fosse a resolver o futuro econômico do país. Na berlinda desses condicionantes, continuam sendo usados os desgastados “clichês” de que primeiro tem que construir o bolo para depois reparti-lo. Quando de repente surge uma nova proposta de desenvolvimento com inclusão social, os concentradores do “bolo eterno” esgrimem o fantasma do socialismo, como se isso fosse uma alternativa diabólica, sujeita a ser destruída pela mão de Deus e outras formas de arranjos sobrenaturais.
O que se esconde nesse discurso próximo da inquisição religiosa da idade média? Apenas uma nova forma de combater e jogar no esquecimento as conquistas recentes do povo brasileiro. Nada melhor do que criminalizar as comparações entre dois modelos de gestão econômica postos em prática nestes últimos dezesseis anos. No caso concreto de gestão à frente da complexidade monumental de um país como o nosso, não existem nem “pastores nem rebanhos” apenas decisões acertadas ou não, que ocorrem no campo da vida e da economia real. Para entender tal processo, os leitores devem deixar de lado os “factóides” inundados de preconceitos, e focar sua atenção no que realmente aconteceu de melhor no Brasil nestes últimos anos. Apesar dos problemas que ainda castigam nossa sociedade, muito longe de serem resolvidos em curto prazo, vamos centrar-nos nas conclusões “das experiências e ações dos governos anteriores” avaliando a seguinte argumentação: Houve, na transição entre um governo e outro, dois modelos econômicos que entraram na pauta das alternativas para a construção de uma nova sociedade. Por um lado, era a continuidade indefinida do modelo imposto pelo Fundo Monetário Internacional na região, assentado em políticas profundamente recessivas, a um custo social insuportável e sem perspectivas de crescimento, e, por outro, a opção pela reconstrução do Estado como indutor de desenvolvimento por meio de políticas público-privadas, com forte inclusão social através de programas distributivos inseridos no tecido produtivo. Claro que essa modalidade não é invenção do atual governo. Entretanto, sua reestruturação através do Fome Zero e do Bolsa Família, ganharam uma nova configuração, porque são inerentes a uma política econômica com foco na transferência de renda de forma ampla. A qualidade destes programas encontra-se na sua própria natureza, livres do cerceamento dos ajustes monetários do modelo neoliberal. Atravessar uma crise mundial de forma inédita e criar 14 milhões de empregos com carteira assinada, elevando a padrões de classe média 70 milhões de brasileiros e tirando da pobreza absoluta outros tantos, espalhando a dádiva de luz e da casa própria para grande parcela da população, incorporando-os ao consumo de bens tantas vezes negados, é suficiente para discordar de que isso signifique uma degradação das instituições no Brasil. Ao contrário, se o povo humilde, consciente dessas mudanças, credita essas conquistas à intervenção divina, não está equivocado. Ao final, o placebo religioso está centrado na bondade do profeta Jesus Cristo e sua opção pelos pobres. Devem estranhar que diga tal coisa, já que muitos me conhecem como cético. Mas isso significa acrescentar um ideal nobre para os que lutam por um projeto humanístico, muito cercano aos fundamentos do cristianismo, infinitamente diferente daqueles que se mascaram de religiosidade e são incapazes de qualquer iniciativa solidária para com a pobreza anônima.
Victor Alberto Danich
Sociólogo

COMBATE A POBREZA

A notícia divulgada de que o Brasil lidera, pelo segundo ano consecutivo, o ranking que mede o progresso de países em desenvolvimento na luta contra a pobreza que, segundo o relatório da ONG ActionAid, é das políticas sociais adotadas pelo governo federal para reduzir a fome no país, entre elas os programas como o Bolsa Família e o Fome Zero, gostaria de acrescentar mais algumas considerações. Em primeiro lugar, não por acaso o Brasil é citado como um exemplo nesse tipo de iniciativas, centradas em políticas públicas de inclusão social. O sucesso destes programas está assentado em ações que envolvem 11 ministérios, destinados a ampliar o acesso à alimentação, o fortalecimento da agricultura familiar e, como medida inclusiva fundamental, a incorporação de processos de geração de renda e aumento das atividades produtivas na economia.
Muitos leitores dirão que ainda assim ocorrem gritantes distorções sociais, insistindo em que tais programas não passam de simples assistencialismo, porém sem questionar as imensas desigualdades históricas existentes entre os pequenos e grandes produtores de alimentos. Entretanto, a inserção social reforçada com políticas públicas a partir do Fome Zero, faz com que as famílias mais carentes, ao receberem os benefícios, possam ter acesso à alimentação e água, gerando ao mesmo tempo um impacto na economia local, já que nas regiões mais distantes, o dinheiro do programa representa até 70% da arrecadação anual do município. Como se pode observar, tais programas de transferência de renda não se encontram desvinculados das outras atividades econômicas que criam condições para o crescimento do país. O fato de que 22 milhões de famílias brasileiras pretendem até dezembro de este ano reformar ou construir uma casa, já é suficiente para atestar o funcionamento destas políticas governamentais.
As classes de menor renda beneficiadas pelos programas sociais, com destaque para aquelas que praticam o consumo “formiga” na aquisição de bens, mas que injetam dinheiro no mercado através do aumento da renda familiar e da maior oferta de crédito, faz com que as atividades produtivas cresçam vertiginosamente. Tanto é assim, que tal consumo no setor de construção, por exemplo, elevou a receita do setor para R$ 21,4 bilhões, correspondente a um crescimento da indústria de 20,3% durante o primeiro semestre de 2010 em relação aos períodos anteriores. Mais importante ainda, essa receita deve fechar o ano com alta de 15%. Por outro lado, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), divulga na sua última pesquisa que o potencial de consumo das classes que possuem renda média familiar de R$ 2.950,00 a R$ 5.350,00 respectivamente, encontra-se neste ano no patamar de R$ 970 bilhões, 30% a mais do que em 2009. Tal processo de mobilidade social injeta na economia um potencial de consumo de R$ 2,2 trilhões, que corresponde a uma expansão de 22% em relação aos anos anteriores. Para finalizar. Qual é o papel do intelectual vigilante com ações dessa natureza? A disposição de debater a abrangência de políticas públicas de inserção social, principalmente aquelas direcionadas aos setores mais carentes da sociedade, deve servir para conscientizar aos espectadores passivos da necessidade de um olhar sobre a pobreza no Brasil.
Essa perspectiva remete ao reconhecimento da grande desigualdade na distribuição de renda ainda existente no país, assim como a descoberta conceitual de que tal situação faz com que uma grande parcela da população esteja submetida a condições mínimas de dignidade e cidadania. Toda iniciativa direcionada para construir ações focalizadas nas famílias mais pobres deve ser entendida como um ato de solidariedade humana, e não como um desperdício econômico baseado apenas em juízos de valor marcados pelo preconceito de classe, tão perverso quanto o modelo neoliberal que vigorou absoluto nestes últimos quarenta anos.
Victor Alberto Danich
Sociólogo

O SIGNIFICADO DE LIDERANÇA

Seguramente o leitor encontrará nesse significado, do ponto de vista formal, um mecanismo de sustentação social reconhecido por sua obviedade, já que um líder é um indivíduo que dirige o grupo transmitindo ideias e valores para o mesmo. Mas o conceito de liderança excede essa formatação, no momento em que a mesma se transforma num compromisso público com a história. Nesse caso, um líder que se destaca por sua inteligência, por seu poder de comunicação e por suas atitudes, direcionadas à construção da igualdade, solapando as velhas estruturas de autoridade e hierarquia, respondendo aos anseios populares sem reverências, é um indivíduo que deve ser reconhecido como tal. Quando o líder nos indica o caminho para viver conforme nossa consciência, além da capacidade de atestar que a realidade da liberdade humana pode combater as supostas inevitabilidades da história, é que podemos dizer que essa escolha marca o caminho de um novo estilo e qualidade de seus seguidores. Tal conceituação sobre liderança está destinada a fazer algumas considerações sobre o nosso atual mandatário. Se por um lado, o pragmatismo leva-me a ultrapassar o caráter partidário, apoiando candidatos de partidos diferentes através do voto útil, por outro, sou um admirador incondicional do presidente Lula. E vou dizer por que.
Muita gente prefere ignorar que o brasileiro Luis Inácio da Silva, nascido pobre e humilde em Caetés, no interior de Pernambuco, em 1945, hoje presidente do Brasil, destaca-se como um dos indivíduos mais influentes de todas as personalidades globais. Na lista publicada pela revista Time, além de mencionar seu nome, o situa proeminente junto a homens de negócios, cientistas e artistas mundialmente conhecidos. A trajetória de Lula e suas deficiências de formação transformaram-se num símbolo contra toda forma de exclusão social, mas que ainda deixa transparecer nas opiniões de alguns setores elitizados, o pouco esforço em disfarçar o preconceito social e de classe. O silêncio desse segmento da sociedade perante o destaque mundial de um brasileiro mestiço, nordestino, de origem pobre e grande déficit de educação formal, os torna cúmplices de uma das piores qualidades do ser humano: o culto à inveja descabida. Muitos ex-presidentes sonharam em alcançar tal reconhecimento. Entretanto, apenas o presidente Lula, em toda a história das relações internacionais do Brasil, teve a honra de ser declarado o “Estadista do Ano”, com ênfase numa “personalidade original, de profundo caráter social e desprovido de complexos neocoloniais”.
Mais isso não é suficiente. Nosso presidente continua sendo ridicularizado por indivíduos que carecem de qualquer tipo de consciência ética, porque se mascaram nos bastidores da internet. Assim mesmo, muitos podem não gostar das minhas ideias. Posso escrever coisas que geram mal-estar. Mas não me escondo. Entro no campo de batalha de frente contra meus desafetos, mas nunca parto para humilhar-los ou desmerecê-los publicamente.
Da mesma forma, o presidente Lula deve ser respeitado. Não só pelo cargo que ocupa, e sim como um ser humano que, numa trajetória de lutas populares pela democracia, ajudou a modelar os rumos da política brasileira. As Nações Unidas, ao escolher o Bolsa Família como símbolo mundial de resgate dos desfavorecidos, coroa o fim do seu mandato.
Vou mais longe ainda. Admirar o presidente Lula não é fazer “culto à personalidade”, e sim reconhecer nele uma liderança que propicia a construção de um Brasil mais solidário, assentando as bases para o desenvolvimento com inclusão social. Essa conceituação encontra-se distante de imaginar nosso presidente como um líder infalível, porque a submissão total se degrada num mero ato religioso. Ela apenas significa o tributo que grande parte da população brasileira faz a uma pessoa que, por seu mérito político, ocupa o lugar que sempre foi restrito a uma determinada classe social, e sai dele fortalecido com a mais original das conquistas: vencer o medo através da esperança.
Victor Alberto Danich
Sociólogo