quinta-feira, 1 de julho de 2010

EMPRESÁRIOS SOCIAIS

A crise mundial deixou ao descoberto a ineficácia dos mercados financeiros convencionais, incapazes de atender às necessidades de comunidades em situação de pobreza, cuja única saída é contrair empréstimos ou poupar para reduzir a vulnerabilidade dos choques econômicos. Ter acesso ao crédito é decisivo para qualquer empresa, independente do seu tamanho, de modo a sobreviver num mercado de flutuações inesperadas. Pior ainda quando se trata da obtenção de empréstimos por parte de pessoas em situação de pobreza, já que os bancos se recusam a atendê-las, exigindo garantias ou depósitos onerosos. Durante as décadas de 1980 e 1990, a exclusão financeira foi exacerbada através dos programas de ajuste idealizados pelo FMI e seus parceiros locais, fechando ou privatizando bancos estatais e de desenvolvimento, que cumpriam a função de subsidiar empréstimos para agricultores e outros setores mais vulneráveis da sociedade.
Entretanto, sem muito alarde desde o inicio da década de 1990, algumas organizações fora do circuito financeiro global, caracterizadas por não ter fins lucrativos, começaram a ocupar um espaço importante no atendimento a pessoas em situação de pobreza. O caso mais conhecido é o Banco Grameen de Bangladesh, fundado pelo Prêmio Nobel da Paz em 2006, Muhammad Yunus. O sistema de microfinanciamento idealizado por este “empresário social” teve, em pouco tempo, um crescimento surpreendente no atendimento a mutuários. De 13,5 milhões em 1997, aumentou para 113,3 milhões em 2004, sendo que dois terços do total desses indivíduos sobreviviam com menos de um dólar por dia. O interessante desse modelo solidário de microcrédito, é que em cada cinco clientes, quatro são mulheres, principalmente donas de casa e idosas, que se unem em grupos para obter empréstimos de forma coletiva. O Banco Grameen realiza empréstimos em torno de U$S 100 por grupo, apesar de que também disponibiliza dinheiro para mendigos urbanos, sem juros, até U$S 9, de modo a permitir que estes se tornem vendedores de rua. Parece impossível, mas as taxas de inadimplência são extremadamente baixas – o Banco afirma que mais de 98% dos empréstimos que adjudica são quitados – fazendo com que o microcrédito se torne auto-sustentável e lucrativo.
Tais mercados situados na base da pirâmide, terminaram atraindo grandes bancos comerciais que descobriram novas opções de investimento no setor de microcrédito, realizando parcerias com as organizações existentes, de modo a facilitar o acesso ao crédito e poupança a mulheres em situação de pobreza. Dessa configuração surgiu o primeiro banco multinacional de microcrédito, o Procredit, fundado em 1996, e apoiado financeiramente pela Sociedade Financeira Internacional – IFC, ligada ao Banco Mundial. Talvez essas novas formas de olhar o futuro econômico da sociedade, permita remodelar um mundo que passa fome e penúria. O sucesso dos programas de microcrédito revela como procedimentos solidários, organizados para preservar a segurança humana, podem ser materializados através da cidadania ativa. Mais do que isso, as formas empresariais socialmente responsáveis, configuradas através de organizações comunitárias e empresas sociais, podem constituir novas formas de parcerias econômicas, onde o lucro por si só não seja o foco principal de tais iniciativas. A rápida ampliação e a diversidade de programas de microcréditos, já estabeleceram novos padrões de comportamento econômico, que permitiram que milhões de indivíduos em situação de pobreza diminuíssem os riscos da exclusão financeira. Parece difícil falar sobre formas hipotéticas de reconstruir o planeta sobre alternativas mais justas, principalmente com medidas que contradizem o modo de operação do próprio sistema, pautado apenas em relações econômicas, nas quais a maximização do lucro é o foco principal. No entanto, tais alternativas devem ser redescobertas como o eixo condutor para aquelas que já existem na prática, não como perdas, e sim como investimento, conceito cada vez mais adotado por algumas instituições e pelo próprio Estado.
Victor Alberto Danich
Sociólogo

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