quarta-feira, 29 de julho de 2009

A NAVALHA DE OCCAM

Existem infinidades de situações que acontecem na nossa vida que podem ser resolvidas facilmente. No entanto, o processo cultural ao qual estamos submetidos, leva-nos a comportar-nos, perante qualquer ocorrência inesperada, da maneira mais complexa para tentar resolvê-la. Felizmente, a simplicidade é uma das principais qualidades da ciência, com fora demonstrado por William de Occam, um teólogo franciscano inglês do século XIV, que se tornou famoso por defender com veemência a ideia de que as ordens religiosas não deveriam ter riquezas ou propriedades. Podem imaginar o que aconteceu com ele. Foi excomungado e expulso da Universidade de Oxford, onde lecionava.
Mais sua maior contribuição para a ciência foi ter enunciado a seguinte frase em latim “pluralitas non est ponenda sine necessitate”, que significa que a pluralidade não deve ser proposta sem necessidade. Tal definição estava centrada em que, se existirem duas teorias rivais, ou explicações de igual valor, a mais simples é aquela que tem mais possibilidades de ser a correta. Vamos imaginar, por exemplo, que depois de uma tempestade noturna, de manha encontramos uma casa totalmente destruída, e não há qualquer indício de como isso aconteceu. Uma hipótese mais complicada seria que um avião lançou uma bomba incendiária sobre a vivenda. O fogo a seguir teria eliminado qualquer indício de evidência material. Ao utilizar a navalha de Occam, você percebe que a hipótese da tempestade resulta numa explicação mais provável do que a bomba, por ser mais simples. A navalha de Occam não da garantia de uma resposta certa, mais nos encaminha na direção dela.
As teorias da conspiração, muito utilizadas durante a “Guerra Fria” entre os Estados Unidos e a União Soviética, desprezavam as explicações simples da navalha de Occam em favor de teorias intrigantes e misteriosas. Tal delírio imaginativo deixou o mundo próximo de uma catástrofe atômica. Teria sido muito mais fácil partir para uma “detente” com foi feito no final dos anos oitenta. Uma geração inteira viveu o drama do holocausto nuclear sem saber como superar tamanho desconforto. Apenas alguns telefonemas e acertos geográficos dividindo o mundo entre as grandes potências, e os problemas foram resolvidos. Todos puderam dormir tranqüilos sem necessidade de questionar ideologias. Por outro lado, é justamente a área da saúde que utiliza com destreza o conceito da navalha de Occam. Aqueles médicos que se encontram em situações limites, e que devem optar por uma decisão rápida para salvar o paciente, usam tal artifício quando estão diagnosticando uma doença, que diz simplesmente: “Quando ouvir o sons de cascos, pense em cavalos, e não em zebras”
Victor Alberto Danich – Sociólogo

VIVA O CÂNCER!

No dia 26 de julho de 1952, ao meio-dia, Eva Duarte de Perón entrava em coma. Ao anoitecer, quando finalmente morre, “Evita” entra para a imortalidade. “A Eva” – como a chamavam, quase com repugnância, aqueles que a excluíam do paraíso social – é a clara materialização da luta de classes. Se tivesse sido somente uma bastarda ambiciosa, ou uma especuladora, ou, se tivesse construído uma vida impecável e altruísta, sem aqueles excessos tipicamente humanos, não haveria alcançado a dimensão histórica que teve. No entanto, o pior de tudo é ficar cristalizada na figura reversa que mostra a cara de uma puta ou de uma virgem, segundo a ideologia do observador. Sua origem pobre, sua arbitrariedade, sua garra e sua patética luta contra o “destino”, está fixada no seu verbo exasperado, na sua palavra irreverente, na sua justiça primitiva e na sua imolação. Por que atacam a Evita Profana? Porque seu derradeiro primitivo e sanguíneo desajusta a racionalidade burguesa. Resulta indigno e intolerável. Evita é como o parente pobre; provoca repúdio e mal-estar pela exigência de mudanças; encoleriza com sua “irracionalidade”. Ela fere aqueles que se aferram aos privilégios e se reconhecem nesse gozo egoísta. No entanto, por que tantos cantam o nome da “sagrada Evita”? Porque o mito desperta compaixão, mas não incomoda. Seu incendiário discurso (pobres, luta, povo, excluídos, imperialismo) já não representa qualquer perigo. Ela, a santa, a virgem, é “algo belo que tivemos e que nunca mais teremos”. Só resta chorar.
Porém, Evita não é um mito. É a própria encarnação da utopia. Uma fervorosa utopia traduzida numa desesperada procura de justiça, num obstinado reconhecimento do direito do outro, numa profunda vocação inclusiva através de um otimismo militante. A Evita não lhe assiste a razão, senão a paixão. Astúcia, paixão, sangue: todas as palavras femininas, vinculadas ao primitivo, ao selvagem, ao censurável. Ela sonhou com “voltar e ser milhões”. Não contou com a astúcia da razão pós-moderna, nem com a tirania dos economistas. Não contou com a incompreensão daqueles que a odiavam. Sempre pensou que poderia ser respeitada pelos seus sonhos. O nome de Evita transformou-se na imagem do Estado Benfeitor. Enquanto começa a cimentar-se o mito da santa, alimentado pela tragédia de sua doença e sua virtual imolação na plenitude da vida, seus algozes se deleitam escrevendo nas paredes, nos recantos dos bairros elegantes de Buenos Aires, a frase que condensaria a raiva das elites argentinas: “Viva o câncer!”. Na medida em que crescia a desfaçatez opositora, mais se reafirmava o amor dos pobres. Suas últimas palavras foram para Perón: “Juan, cuida dos operários, e não te esqueças dos mais humildes. Por eles, vale a pena continuar lutando”.
Victor Alberto Danich - Sociólogo

VOCÊ GOSTA DA DESIGUALDADE?

Imagino que alguma vez na sua vida você se perguntou sobre a validade desta pergunta. Seguramente vai dizer que, na sociedade, tal conceito é entendido como a antítese da igualdade, no seu sentido dual, daquilo que os seres humanos estão dispostos a defender como a melhor forma de organizar a própria convivência. Será mesmo?
Vamos aceitar a ideia de que as desigualdades naturais existem, ou como diria o pensador político Norberto Bobbio, que os seres humanos são iguais quanto desiguais: “São iguais diante da morte porque todos são mortais, mas são desiguais diante do modo de morrer porque cada um morre de modo particular, diferente de todos os demais”. Podemos conjeturar que, apesar de sermos educados para defender uma suposta igualdade, internamente ambicionamos em diferenciarmos dos nossos semelhantes a partir de atributos particulares. A pergunta surge por definição: Somos iguais ou desiguais em relação ao que? Rousseau considerava que os indivíduos nascem iguais, mas, a sociedade os torna desiguais através de um processo cultural artificialmente construído. O filósofo Nietzsche, contradizendo tal sugestão, parte da definição de que os seres humanos são por natureza desiguais, e culpa ao gregarismo moral da sociedade, assentada na religiosidade que enaltece a compaixão e a resignação, como a forma compulsiva de torná-los iguais. Vivemos num mundo maniqueísta, no qual nos movimentamos de acordo aos nossos interesses de classe. A sutileza de tal afirmação mostra-nos que o indivíduo que ocupa uma posição privilegiada na sociedade, aceite com absoluta naturalidade a desigualdade social e, aquele que se encontra em situação de classe inferior, sem forças suficientes para mudar tal situação, discorde, na sua impotência, de tal premissa.
Não podemos ignorar tal realidade. Ela está presente em todas nossas atitudes, inconsciente ou não. Não basta identificar-nos com discursos ou modos culturais de agir. Somos reféns de nossa classe social. Entretanto, devemos ser capazes de optar por escolhas, apesar das diferenças. Ser progressista ou conservador não significa querer destruir ou preservar os modelos vigentes, ou, em todo caso, viver de acordo com aqueles com os quais somos solidários, como justificativa da nossa ideologia. O problema é de consciência, que deve estar assentada no conceito relevante da inclusão-exclusão. Se por um lado, o ideal da inclusão é característica do pensamento progressista, o pensamento conservador, sem sombra de dúvidas, é notadamente excludente. Norberto Bobbio resume com maestria sua justificativa para ser um homem de esquerda: “A liberdade pode ser considerada um bem individual, diversamente da igualdade que é sempre apenas um bem social” Seria bom fazer um exercício mental para descobrir, com todas suas implicâncias, o risco de repensar o significado da pergunta inicial.
Victor Alberto Danich - Sociólogo