sexta-feira, 22 de maio de 2009

A TRANSFORMAÇÃO DA CONSCIÊNCIA

Qualquer atividade intelectual torna-se estimulante a partir do momento em que se transforma numa rota de descoberta. Em alguns campos do conhecimento, tais condicionantes são precedidos pelo insólito de descobrir fatos anteriormente impensados ou impensáveis. Nesse sentido, a realidade social apresenta-se como possuidora de muitos níveis de significado, e a descoberta de cada novo nível modifica a percepção de todo, e essa perspectiva nos leva a ver sob nova luz o próprio mundo em que todos co-existimos. Isso significa também uma transformação súbita da consciência. No entanto, as pessoas que preferem evitar descobertas chocantes, acreditando que a sociedade é exatamente aquilo que aprenderam na escola, de modo a proteger-se na segurança das regras, satisfazendo-se apenas com suas próprias construções conceituais, nunca poderão participar da paixão de questionar “um mundo aceito sem discussão”. O fato de perguntar-nos porque devemos estar interessados em olhar além das ações humanas comumente aceitas ou oficialmente definidas, pressupõe certa consciência de que aquelas ações possuem diferentes níveis de significado, alguns dos quais ocultos à percepção do cotidiano. Não querer aceitar tais condicionantes, é resultado do próprio mal-estar que significa não entender as diversas representações da realidade.
O que significa isso? Que a própria natureza humana torna-se um artifício destituído de liberdade. Uma pessoa passa a criar fantasias dentro de um mundo mitológico em que todos os seres humanos estão presos as suas próprias designações sociais. A sociedade proporciona ao indivíduo um gigantesco mecanismo através do qual ele pode ocultar a si mesmo sua própria liberdade. Somos seres sociais e nossa existência está vinculada a localizações sociais específicas. Se por alguma razão, alguém atua fora desses padrões, à punição surge imediatamente. A própria organização social, criada e reforçada por nós mesmos, está presente para lembrar-nos com suas sanções. Quaisquer que sejam nossas possibilidades de liberdade, ela não se concretizará se continuarmos a pressupor que o “mundo aprovado” da sociedade seja o único que existe, além de desestimular-nos da possibilidade de qualquer mudança na procura de novos valores ou significantes sociais.
Tanto é assim, que as nossas identidades são atribuídas pela sociedade. É necessário ainda que a sociedade as sustente com regularidade, de modo que nossas vidas se desenrolem dentro de uma complexa trama de reconhecimentos e não-reconhecimentos. Somos reféns do nosso comportamento, porque todo ato de ligação social resulta numa escolha de identidade. Na sua simplicidade filosófica, o homem do campo acrescentaria: “os pássaros da mesma plumagem vivem juntos não por luxo, mas por necessidade”
Victor Alberto Danich - Sociólogo

SÍMBOLOS E CARROS

Quando era criança, sonhava em ter um carro para desmontá-lo inteiro. Fantasiava com possuir os melhores automóveis e, como não podia, os desenhava para logo fabricá-los com epóxi em pequena escala. Quando fui ficando adulto, comecei a descobrir o significado dos símbolos, e assim perdi o que restava da minha inocência. Atualmente, todo estilo de vida está pautado em sistemas de status com forte apelo à mobilidade social, de modo a colocar os símbolos numa perspectiva adequada para todos. Nesse caso, a aquisição de um automóvel é considerada crucial para viver a possibilidade da posse de um símbolo. O carro, como símbolo de status social ou elemento de consumo, cumpre a função onírica de criar, tanto para os adultos como para os adolescentes, um novo mundo sustentado na percepção de um sujeito sem limitações. Este é o entrave psicológico mais difícil de superar para organizar o mundo automobilístico. Do ponto de vista psicanalítico, a mais significativa função do automóvel é expressar poder e agressividade. Leva o sujeito a idéia da supremacia sobre os outros, num processo de subestimação inconsciente por aqueles que não fazem parte desse imaginário. Deve-se lembrar com isto, a eterna luta entre automobilistas, motociclistas e pedestres.
A razão principal das atitudes de desdém e subestimação é o que se constitui no símbolo de status mais específico e transcendental da sociedade contemporânea. A qualidade expressa na divulgação das características de beleza e potência dos carros atuais, dizem às claras os componentes de agressividade e poder que o veículo transmite para o sujeito. A velocidade, o acelerador, os cavalos de força, as estradas, permitem descarregar os impulsos agressivos, os sentimentos de fuga, que significam poder circular sem obstáculos e sem limitações.
Os novos automóveis conseguiram levar estes instintos até a perfeição. Lograram alcançar altas velocidades, dando a sensação de superação dos limites, apesar de que na maioria das estradas não é permitido mais do que 110 km por hora. Nesse caso, a satisfação torna-se mais onírica que real, no sentido de saber que existe a possibilidade de exceder-se enquanto se estiver livre de punições. O carro novo gratifica o Eu com uma forte dose de dominação. Um carro de muitos cavalos de força dá ao condutor maior potência e masculinidade. A “potência mecânica” é incorporada na personalidade do sujeito, que se insinua através da necessidade de experimentar o poder de um mundo sem regras nem limitações. Resulta constrangedor perceber que somos submetidos inconscientemente aos desejos dos instintos, negligenciado, dessa forma, a lógica do coletivo em favor do logro individual.
Victor Alberto Danich
Sociólogo