sexta-feira, 29 de maio de 2009

SANTO AGOSTINHO E O UNIVERSO

O cientista Stephen Hawking conta que, numa conferência sobre astronomia, o palestrante estava descrevendo como a Terra gira em torno do Sol, e como este gira em torno do centro de uma imensa galáxia de características quase infinitas. No final da conferência, uma senhora baixinha e idosa levantou-se, falando em voz alta:
“O que o senhor acaba de nos dizer é tolice. O mundo, na verdade, é um objeto achatado, apoiado nas costas de uma tartaruga gigante”.
O conferencista imediatamente replicou: “E sobre o que se apóia a tartaruga?”
“Você é muito experto, rapaz, muito experto” – dize a velinha – “mas existem tartarugas marinhas por toda a extensão embaixo dela”.
Apesar de esta história ser relativamente recente, a preocupação com a configuração do universo vem sendo discutida há muito tempo. O filósofo grego Aristóteles, 340 anos antes de Cristo, já argumentava a ideia de que a Terra era uma esfera e não um corpo achatado. É claro que após ele, surgiram infinidades de teorias etnocêntricas, principalmente para justificar a posição geográfica que o ser humano, feito a imagem e semelhança com Deus, ocupava como figura central do universo. Tal modelo foi adotado pela Igreja Católica porque correspondia às descrições bíblicas, além de dar espaço suficiente, fora da esfera das estrelas, a visão maniqueísta do céu e o inferno. Nada melhor que uma explicação simples e valorativa para tranqüilizar os fiéis tementes de Deus.
Entretanto, o mais interessante desta história do pensamento humano, é aquela que se refere ao começo de tudo. Na tradição judaico-cristão-muçulmana, o universo tem sua origem num passado recente por meio de uma “causa inicial”. Santo Agostinho, em seu livro “A cidade de Deus”, sustentava que a data da criação do universo era de 5000 anos antes de Cristo, conforme o livro do Gênesis. Contrariamente, Aristóteles não concordava com a teoria da criação, porque achava que ela continha índicos de intervenção divina. O filósofo Immanuel Kant no seu trabalho “Crítica da razão pura”, questionava que o conceito do tempo não tinha sentido antes do começo do universo, já que, se por acaso, tivesse surgido a partir de um tempo infinito antes dele, porque deveria ser criado num momento particular?
Nessa espetacular luta de conceitos, Santo Agostinho, pela primeira vez, especulou sobre: “O que Deus fazia antes de criar o universo?”. Muitos dirão que Jeová, na sua onipotência, seria capaz de criar tudo em qualquer instante. A pergunta a esse interrogante seria: Por que Ele faria isso escolhendo leis conhecidas e demonstradas pela ciência, e não de forma arbitrária? Será que vivemos num mundo culturalmente formatado, no qual, o apego doentio ao sobrenatural, serve para acalmar a falta de conhecimento da realidade concreta dos fenômenos da física, tal qual aquela velinha?
Victor Alberto Danich
Sociólogo

sexta-feira, 22 de maio de 2009

A TRANSFORMAÇÃO DA CONSCIÊNCIA

Qualquer atividade intelectual torna-se estimulante a partir do momento em que se transforma numa rota de descoberta. Em alguns campos do conhecimento, tais condicionantes são precedidos pelo insólito de descobrir fatos anteriormente impensados ou impensáveis. Nesse sentido, a realidade social apresenta-se como possuidora de muitos níveis de significado, e a descoberta de cada novo nível modifica a percepção de todo, e essa perspectiva nos leva a ver sob nova luz o próprio mundo em que todos co-existimos. Isso significa também uma transformação súbita da consciência. No entanto, as pessoas que preferem evitar descobertas chocantes, acreditando que a sociedade é exatamente aquilo que aprenderam na escola, de modo a proteger-se na segurança das regras, satisfazendo-se apenas com suas próprias construções conceituais, nunca poderão participar da paixão de questionar “um mundo aceito sem discussão”. O fato de perguntar-nos porque devemos estar interessados em olhar além das ações humanas comumente aceitas ou oficialmente definidas, pressupõe certa consciência de que aquelas ações possuem diferentes níveis de significado, alguns dos quais ocultos à percepção do cotidiano. Não querer aceitar tais condicionantes, é resultado do próprio mal-estar que significa não entender as diversas representações da realidade.
O que significa isso? Que a própria natureza humana torna-se um artifício destituído de liberdade. Uma pessoa passa a criar fantasias dentro de um mundo mitológico em que todos os seres humanos estão presos as suas próprias designações sociais. A sociedade proporciona ao indivíduo um gigantesco mecanismo através do qual ele pode ocultar a si mesmo sua própria liberdade. Somos seres sociais e nossa existência está vinculada a localizações sociais específicas. Se por alguma razão, alguém atua fora desses padrões, à punição surge imediatamente. A própria organização social, criada e reforçada por nós mesmos, está presente para lembrar-nos com suas sanções. Quaisquer que sejam nossas possibilidades de liberdade, ela não se concretizará se continuarmos a pressupor que o “mundo aprovado” da sociedade seja o único que existe, além de desestimular-nos da possibilidade de qualquer mudança na procura de novos valores ou significantes sociais.
Tanto é assim, que as nossas identidades são atribuídas pela sociedade. É necessário ainda que a sociedade as sustente com regularidade, de modo que nossas vidas se desenrolem dentro de uma complexa trama de reconhecimentos e não-reconhecimentos. Somos reféns do nosso comportamento, porque todo ato de ligação social resulta numa escolha de identidade. Na sua simplicidade filosófica, o homem do campo acrescentaria: “os pássaros da mesma plumagem vivem juntos não por luxo, mas por necessidade”
Victor Alberto Danich - Sociólogo

SÍMBOLOS E CARROS

Quando era criança, sonhava em ter um carro para desmontá-lo inteiro. Fantasiava com possuir os melhores automóveis e, como não podia, os desenhava para logo fabricá-los com epóxi em pequena escala. Quando fui ficando adulto, comecei a descobrir o significado dos símbolos, e assim perdi o que restava da minha inocência. Atualmente, todo estilo de vida está pautado em sistemas de status com forte apelo à mobilidade social, de modo a colocar os símbolos numa perspectiva adequada para todos. Nesse caso, a aquisição de um automóvel é considerada crucial para viver a possibilidade da posse de um símbolo. O carro, como símbolo de status social ou elemento de consumo, cumpre a função onírica de criar, tanto para os adultos como para os adolescentes, um novo mundo sustentado na percepção de um sujeito sem limitações. Este é o entrave psicológico mais difícil de superar para organizar o mundo automobilístico. Do ponto de vista psicanalítico, a mais significativa função do automóvel é expressar poder e agressividade. Leva o sujeito a idéia da supremacia sobre os outros, num processo de subestimação inconsciente por aqueles que não fazem parte desse imaginário. Deve-se lembrar com isto, a eterna luta entre automobilistas, motociclistas e pedestres.
A razão principal das atitudes de desdém e subestimação é o que se constitui no símbolo de status mais específico e transcendental da sociedade contemporânea. A qualidade expressa na divulgação das características de beleza e potência dos carros atuais, dizem às claras os componentes de agressividade e poder que o veículo transmite para o sujeito. A velocidade, o acelerador, os cavalos de força, as estradas, permitem descarregar os impulsos agressivos, os sentimentos de fuga, que significam poder circular sem obstáculos e sem limitações.
Os novos automóveis conseguiram levar estes instintos até a perfeição. Lograram alcançar altas velocidades, dando a sensação de superação dos limites, apesar de que na maioria das estradas não é permitido mais do que 110 km por hora. Nesse caso, a satisfação torna-se mais onírica que real, no sentido de saber que existe a possibilidade de exceder-se enquanto se estiver livre de punições. O carro novo gratifica o Eu com uma forte dose de dominação. Um carro de muitos cavalos de força dá ao condutor maior potência e masculinidade. A “potência mecânica” é incorporada na personalidade do sujeito, que se insinua através da necessidade de experimentar o poder de um mundo sem regras nem limitações. Resulta constrangedor perceber que somos submetidos inconscientemente aos desejos dos instintos, negligenciado, dessa forma, a lógica do coletivo em favor do logro individual.
Victor Alberto Danich
Sociólogo

quarta-feira, 6 de maio de 2009

O DIÁLOGO DE GALILEU

Como você se sentiria se fizesse uma descoberta abrumadora e ninguém acreditasse? E se estivesse sujeito a ser excomungado por causa de sua certeza? Nesse caso, seria capaz de sustentar a veracidade de suas experiências perante aqueles que pautavam suas crenças em função de dogmas explícitos? O conflito entre ciência e religião no contexto histórico da primeira metade do século XVII, no qual se desenvolveu a batalha entre Galileu e a Igreja católica, que acabou na condenação do mesmo pelo Santo Ofício em 1633, não foi apenas produto da negação do modelo geocêntrico do cosmo, senão de questões ideológicas envolvendo a teologia cristã, cruciais para a sobrevivência da supremacia medieval da Igreja, fundamentada principalmente numa visão aristotélica do mundo.
O concílio de Trento (1545-1563) se encarregou de não permitir qualquer interpretação da Bíblia diferente da oficial, o que provocou entre outras tantas, a execução na fogueira do filósofo Giordano Bruno, por suas dúvidas com referência a interpretações teológicas da substancialidade da alma humana e seu apoio as idéias de Copérnico.
No entanto, os diabólicos verdugos da Santa Inquisição podiam fazer uso de juízos de valores pessoais na interpretação da passagem do Livro de Josué: “...porque se fosse permitido aos espíritos malignos alterar a influência dos corpos celestes sobre o universo, a ordem geral e o bem comum sofreriam sério prejuízo. Pelo que as alterações astrais encontradas no antigo e no Novo Testamento foram causadas por Deus, por exemplo, quando o sol ficou parado para Josué, o foi encoberto, de forma sobrenatural, na Paixão de Cristo. Mas, em todos os demais fenômenos, os demônios são capazes de interferir, com a permissão de Deus, seja por conta própria, seja por intermédio de bruxas....”.
É justamente nesse contexto histórico-cultural que Galileu lançou-se na sua batalha contra o modelo ptolomaico do Universo. Motivado por uma grande ambição pessoal, convicto do apoio de seu grande admirador, o papa Urbano VIII, publica em 1632 as primeiras cópias do “Diálogo”, iniciando assim um desafio aberto contra a hegemonia da Igreja, num momento de pleno poder da inquisição religiosa, que terminou no famoso episódio de sua sentença. O “Diálogo” foi proibido, e Galileu, num ato de perversa humilhação, foi obrigado a abjurar as idéias de Copérnico (que a Terra gira em torno do Sol), sendo condenado a prisão domiciliar no resto de sua vida, repetindo diariamente durante três anos sete salmos penitenciais, recitados por sua filha Maria Celeste, freira carmelita. Apenas em 1992, 360 anos depois, e a 23 de o homem pisar na lua, numa lenta peregrinação escolástica, o papa João Paulo II revoga oficialmente a condenação de Galileu pela Igreja.
Victor Alberto Danich - Sociólogo

OS BASTIDORES DA ECONOMIA DE MERCADO

Quando Friedrich Hayek, um dos ideólogos do liberalismo econômico da Escola de Chicago, visitou o Chile em 1981, ficou maravilhado com a política neoliberal implantada por Augusto Pinochet naquele país. Ao regressar à terra de Ronald Reagan, imediatamente sentou-se a escrever uma carta para sua amiga Margareth Thatcher, primeira ministra da Inglaterra. Nela sugeria que deveria usar como modelo a ditadura chilena para transformar a economia de bem-estar britânica. Devemos lembrar que Thatcher e Pinochet mantiveram durante muito tempo uma sólida amizade, principalmente quando este se encontrava sob arresto domiciliar na Inglaterra, acusado de genocídio, tortura e terrorismo de estado.
A “dama de ferro” estava profundamente convencida com o “êxito fantástico da economia chilena” acrescentando publicamente que: “tal política era um impactante exemplo de reforma econômica da qual poder-se-ia tirar bons exemplos”. Como de costume, nos bastidores da política as coisas são bem diferentes. Apesar da admiração que a Thatcher tinha por Pinochet, quando Hayek sugeriu que fosse aplicada a mesma metodologia de política econômica imposta no Chile, a ministra teve que dar uma freada a tais pretensões. Em fevereiro de 1982, a Thatcher respondeu sem rodeios ao seu interlocutor monetarista numa carta privada: “Tenho certeza que o senhor entenderá que, na Inglaterra, de acordo com nossas instituições democráticas, além da necessidade de um alto nível de consenso, algumas das medidas adotadas no Chile são totalmente inaceitáveis. Nossas reformas devem ser adotadas conforme as tradições e a Constituição do nosso país”
A conclusão da primeira ministra era que, numa democracia como o Reino Unido, seria impossível executar uma política econômica ao estilo da preconizada pela Escola de Chicago. Para Hayek e seu comparsa Milton Friedman, aquele balde de água fria foi uma decepção. As políticas econômicas desenvolvidas e apoiadas pelas ditaduras militares no Cone Sul, tiveram como resultado ganâncias exuberantes para alguns pequenos grupos, dando oportunidade para a abertura de novas “fronteiras a serem manufaturadas” pelas empresas transnacionais, na procura incessante de transferir os ativos e recursos públicos para mãos privadas.
Numa coisa o economista Milton Friedman acertou de cheio, sem perceber quão proféticas seriam suas palavras: “Só uma crise – real ou percebida como tal – produz uma verdadeira mudança. Quando ocorrem estas crises, as ações que se empreendem dependem das ideias existentes naquele momento” E parece ser verdade mesmo, o modelo neoliberal de livre mercado está sendo remodelado através de uma nova configuração mundial, baseado, talvez, no restabelecimento de alternativas econômicas democráticas e solidárias.
Prof. Victor Alberto Danich
Sociólogo

O DIA EM QUE A TERRA PAROU

Nestes dias assisti à refilmagem do clássico de ficção científica “O dia em que a Terra Parou”, e voltei minhas lembranças aquela produção que chegou aos cinemas na década de 50. Eram os primeiros anos de pós-guerra, e o mundo estava consternado frente ao temor de uma contenda nuclear entre duas potências mundiais que polarizavam as consciências em ideologias rivais. A chamada “Guerra Fria” entre os Estados Unidos e a União Soviética, que reproduzia a toda hora o perigo latente da devastação total, era, no fundo, um sinal claro do processo que a humanidade sofre na sua luta entre o Eros e o instinto da morte. Naquela época, como agora, o desejo inconsciente do homem em duelar com seus semelhantes continua a mesma, e, ao mesmo tempo, sem muita hesitação, investe num franco apelo pacifista para dissimular sua agressividade. Os anos cinqüenta eram uma mistura de triunfalismo e tragédias. O interesse pelo desconhecido, pelo ataques extraterrestres e pelo temor de serem abduzidos por raças alienígenas, levou aos grandes estúdios de cinema a fazerem filmes de ficção científica, de modo a sublimar e direcionar o pânico dos espectadores para mundos longe da terra.
Nessa história de cinemateca, o filme trata sobre um alienígena que, acompanhado de um robô gigante, viaja milhões de anos luz para encontrar-se com os líderes mundiais, de modo a alertá-los sobre as conseqüências do mau comportamento dos terráqueos. É claro, que a nave espacial com forma de esfera transportando o vingador estelar, desce no Central Park de Nova Iorque. As outras, de menor importância, de modo a hierarquizar competências, se espalham no resto do mundo. Como todo cinéfilo deveria esperar, nosso amigo espacial é recebido a tiros. O Robô decide defender o chefe, e a guerra está declarada.
Na verdade, a analogia entre o processo civilizatório e o caminho do desenvolvimento individual é indicada através do superego modelado pela comunidade. Sempre há, no final de todo questionamento ético, a existência de um indivíduo notável, identificado através de uma esmagadora força de espírito, no qual seu impulso humano (nosso viajante é igualzinho a nós) encontra sua expressão mais pura na ação unilateral. Em todos os casos, a analogia vai mais além, no fato de que, quase sempre, tal figura é escarnecida e maltratada pelos outros e, até mesmo, liquidada de maneira cruel. Nosso amigo volta para seu planeta, apesar de tudo, convencido que os maldosos terráqueos merecem mais uma chance de sobreviverem. Desse modo, o superego cultural desenvolve seus ideais e estabelece suas exigências. Sempre, em toda circunstância ética, só um ser supranatural é capaz de colocar em ordem a natureza desregrada do ser humano, seja através da religião o de qualquer civilização do outro lado do universo.
Victor Alberto Danich - Sociólogo