quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

A REPRESENTAÇÃO DA MORAL

Nas sociedades onde prevalecem certas normas de submissão voluntária às leis, o uso da violência oficial dificilmente se torna visível. O importante é que todos, por consenso geral, saibam que ela existe, e se por alguma razão os meios de coerção falharem, essa mesma violência pode ser usada oficial e legalmente contra eles. Entretanto, existem outros mecanismos sub-violentos que utilizam processos de intimidação políticos e legais, principalmente por meio da “coerção econômica” para ameaçar o próprio sustento ou a obtenção de vantagens sociais. Entretanto, não apenas “os meios econômicos” de controle social são eficientes para manter a ordem, senão que há também outros mecanismos muito potentes e sutis que podem ser aplicados ao suposto transgressor, em termos de persuasão, ridicularização, difamação ou opróbrio. Muitas pessoas já sentiram o horror eletrizante de cair no ridículo em alguma situação social, ou serem difamadas perante a comunidade. A difamação tem eficácia avassaladora em sociedades conservadoras, onde as pessoas estruturam suas vidas em função da visibilidade de posse ou status. Tanto o ridículo como a difamação pode ser manipulada por qualquer indivíduo que tenha fácil acesso aos canais da trama social, podendo assim efetivar o mecanismo institucional da punição, sem provocar a mínima suspeita de ter cometido um ato moralmente impróprio.
Quando se fala de instituições, a referência é com relação a um complexo de normas e ações sociais. Isso sugere que leis, classes, atividades políticas ou religiões sejam instituições, que funcionando como um órgão regulador pelos quais a conduta humana é padronizada socialmente, essas normas e ações sejam aceitas sem questionamentos pela sociedade. Tal ocorrência, como fato externo da própria consciência, manifesta-se na forma de coerção, moldando a conduta e as ações do indivíduo. Este será recompensado enquanto se limite a representar os papéis que lhe foram designados socialmente. Se, por outro lado, os transgredir, a sociedade o pune com vastos meios de controle e coerção. Percebe-se com isso, que a dignidade humana é questão de permissão social. O ser humano não vale nada como biografia individual, apenas a sociedade como entidade histórica tem as atribuições de homologar o “repertório de papéis” que o individuo deve representar. Nesse caso, pode-se aparentar uma falsa moral sem correr o risco das sanções da sociedade. Entretanto, a descoberta humilhante desse comportamento imoral submete o indivíduo a uma retirada radical do reconhecimento social, descaracterizando o status de qualquer ser humano, independente do lugar que o mesmo ocupa na hierarquia da sociedade.
Victor Alberto DanichSociólogo

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

O COMANDANTE LALO

Como novo membro do grupo dos “Abutres”, nome jocoso relacionado à procura incessante do conhecimento, tive a honra de levar como convidado o Comandante Eduardo Sardiñas Labrada, ex-combatente de Sierra Maestra, em Cuba, que lutou junto ao comandante Fidel e como capitão da segunda coluna ao mando do Che Guevara. Posteriormente foi ascendido a comandante por seu desempenho no combate de San Domingo, em que seu pequeno grupo derrotou um contingente muito maior do exército do ditador Fulgéncio Batista.
Independente da idéia que alguns possam fazer dos movimentos populares contra o colonialismo, a importância do resgate histórico, a partir do pensamento americano abaixo do rio Bravo, representa um passo importante na procura da nossa identidade cultural. Saber que neste continente, durante tanto tempo esquecido, existiram heróis de carne e osso que conviveram, sonharam e morreram lutando pelos seus ideais, nos enche de orgulho. Diferente daqueles que se dedicam a veicular através do cinema heróis de mentirinha, como Rambo, Superman, Capitão América, Batman e Robin, além do homem Aranha e outras esquisitices, nos, os latino-americanos, podemos dizer que temos no acervo histórico figuras heróicas que resgatam nossa auto-estima.
O Comandante Lalo nos emociona quando relata o momento em que um combatente é ferido no meio da batalha com os soldados de Batista. Seus companheiros tentavam resguardá-lo enquanto disparavam contra o exército inimigo. Quando o Che escuta o grito – “feriram o Joel!!” – imediatamente pula por cima da pedra que servia de refúgio, e vai caminhando em direção do combatente ferido. Atônitos, os soldados param de atirar. O Comandante Guevara carrega o ferido e retorna com ele nas costas. Logo, quando os militares bastinianios foram capturados, contaram que, ao ver ao Che, desafiador no seu olhar e valente na sua figura, o reconheceram e ficaram petrificados sem poder disparar suas armas.
Histórias com esta possuem um significado redentor perante as iniqüidades cometidas no Afeganistão e Iraque por países neo-colonialistas na procura das riquezas escondidas no subsolo. Os povos que lutaram por sua liberdade em épocas passadas, não podem ser esquecidos pelas novas gerações que viveram à margem desses acontecimentos. O verdadeiro conhecimento deve ser enquadrado no pragmatismo histórico, e não na crença de que se podem argumentar fatos dessa natureza usando referências em revistas de pasquim ou pesquisas fajutas. A liberdade do intelecto deve passar obrigatoriamente pelas bibliotecas, pelas livrarias, pelos museus e pelos testemunhos vivos daqueles que foram partícipes da própria história.
Victor Alberto Danich

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

OS BANQUEIROS E O CHE GUEVARA

As crises cíclicas do capitalismo são muito conhecidas no jargão econômico, como os ciclos de Schumpeter e Kondratieff, que identificam nas devastadoras rodas de crescimento e recessão o funcionamento dos ciclos comerciais. A doença do sistema não é apenas isso, senão também a luxuria de seus gestores na cobiça por ganhar dinheiro de forma ilimitada e fácil. Tal comportamento enfermiço levou à rede bancária americana a se transformar no epicentro da tormenta econômica, teatralizada com a maior insensibilidade pelos executivos dos principais bancos, quando foram pedir socorro financeiro ao governo em jatinhos particulares. Que relação há entre esses banqueiros e o mitológico Comandante Che Guevara? Vou contar uma história que talvez serva de exemplo para os jovens que ainda se encontram em processo de socialização, que lhes permita vislumbrar a possibilidade de construir um mundo melhor.
O comandante Ernesto Guevara, nos primeiros anos da revolução, estava no aeroporto de Bayamo em Cuba. Impaciente, fala para seu piloto: “Eliseo, temos que ir para Havana” – e o piloto lhe responde – “Veja comandante, o tempo não está muito bom, já é quase de noite, este avião monomotor não é grande coisa e as condições não são nada boas para viajar para Havana”. O Che insistiu e terminaram despegando em direção a capital. Depois de um tempo voando através da tormenta, o piloto comenta assustado: “Olhe comandante, olhe o tempo”. “Ta bom – o Che aceita de má vontade – retornemos a Bayamo”.
A pista foi marcada com tochas por pessoas ao longo da mesma, e dessa forma conseguiram aterrissar sem perigo de capotar. Quando estavam descendo do avião, aparece Aleida, mulher do comandante Guevara, que faz com que o piloto entendesse a razão da obstinada e perigosa insistência do Che em continuar a viagem. Ela diz: “Eliseo, você tem dinheiro?” – “Si senhora” – responde o piloto. “Bem, porque o problema do Che, e não se atreve a dizer-lhe, é que não tem dinheiro para pagar o hotel, nem a comida, nem nada, e lhe falta à coragem de pedir-lhe”. “Caramba – respondeu o piloto – tenho o dinheiro necessário para ficar em Bayamo até a tormenta passar, e na Havana acertamos”. Se tal fato fosse contado apenas dessa forma seria uma história banal. Entretanto, a austeridade do Che é conhecida por aquele episódio, já que acontecimento ocorreu na ocasião em que o Comandante Guevara era presidente do Banco Nacional de Cuba. O dinheiro, para Guevara, ocupava um lugar secundário nas relações entre pessoas e, por isso, quando teve que estampar sua assinatura na prancha de impressão das novas cédulas cubanas, se limitará a rabiscar um “Che” pequeno, irreverente e burlão, como poucos seriam capazes de fazê-lo.
Victor Alberto Danich - Sociólogo