quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008

DESVENDANDO MATRIX

Milhares de pessoas circulam todos os dias com celulares na mão, extasiadas por possuir um aparelho eletrônico que, em muitos casos, sacia a vaidade em substituição da utilidade. A revolução microeletrônica e a nova mídia recriaram uma tendência social que elimina os limites entre a existência e a aparência, entre a realidade e a simulação. Enquanto os seres humanos se evadem da realidade concreta buscando refúgio na realidade virtual, a mídia assume assustadoramente o poder sobre a consciência humana, tornando-a apenas um produto descartável e irreal. Para o homem comum que experimenta as maravilhas do acesso à alta tecnologia, torna-se difícil conceber que os critérios capitalistas de eficiência e sucesso, fundamentados apenas na economia da simulação, provoquem na racionalização da produção e dos serviços uma redução do rendimento do sistema.
Enquanto os anos de pós-guerra permitiram a criação de milhões de novos empregos e uma distribuição mais justa do consumo social que se estendeu até fins da década de 70, até o estado de bem-estar social entrar em decadência, dando espaço à nova revolução da microeletrônica, o trabalho produtivo tornou-se secundário perante o exuberante crescimento da moeda (como fetiche) da nova economia globalizada.
A configuração de um sistema de redes e multicanais de comunicação que tanto assombra as pessoas e que as desvia do foco das verdadeiras necessidades, é apenas a fachada dos lucros monumentais que as grandes corporações auferem, no mais pelo sucesso no mercado real direcionando a atender as necessidades do consumo social, mas pelas aplicações financeiras no mercado especulativo de capitais fictícios.
O ato de simular a realidade, na qual a existência da consciência humana é forjada através da tela do computador, leva-nos a lembrar o filme “Matrix” , um expoente da ficção científica, que nos faz suspeitar da transformação da realidade num ambiente subjetivo do nosso cotidiano, no qual todos nos encontramos clinicamente mortos num casulo refrigerado, e nosso cérebro é comandado por estímulos eletrônicos que nos simulam a vida e a experiência histórica.
Nesse caso, a humanidade, na sua totalidade, deve estar atenta aos indícios de que estamos transitando na direção de uma ordem trans-natural e trans-cultural, cujo sentido está longe de ser entendido, no qual o mundo se apresenta como reino do indeterminado, em que os meios de comunicação utilizam a capacidade social para produzir “efeitos da realidade”.
O imaginário se torna real, e o real, imaginário, que consiste na aniquilação dessa própria realidade, como resultado da incapacidade de perceber a dissociação entre o discurso e os feitos. Desse modo, a fragmentação da informação transforma-se na melhor ferramenta para a implantação de uma cultura de massa passiva, subordinada aos desígnios de novas formas de individualização e socialização, que pode, em ambos os casos, destruírem a esperança de desenvolver um novo modelo orientador e integrador do conhecimento, que ensine como aprender e transmitir, mantendo sempre o contato com a realidade social historicamente construída.
Victor Alberto Danich
Sociólogo – Prof. do Centro Universitário de Jaraguá do Sul/UNERJ

CRÕNICA DOS BOXEADORES QUE VOLTARAM

O artigo “Eles pediram para voltar..” publicado num jornal de Joinville em 20/08/2007, trata os boxeadores cubanos como “deportados” para justificar a afirmação de que nosso governo está ao serviço do “ditador Fidel Castro”. Como sociólogo, não consigo ficar incólume ao impacto de uma versão carregada de juízos de valores, muito ao gosto da mídia conservadora. Na verdade, não existe nenhuma portaria ou decreto que configure o caso como “deportação”. Os cubanos Guillermo Rigndeaux e Erislandy Lara nunca tiveram muita certeza do que estavam fazendo. A saída dos atletas da Vila do Pan-Americano foi mais uma aventura vulgar do que outra coisa. Misteriosamente, os dois esportistas apareceram na região dos lagos, numa pousada de Praia Seca, acompanhados do empresário alemão Thomas Doering e um cubano surgido do nada. Estes, num arroubo de generosidade, teriam dado dinheiro aos pugilistas para desfrutarem das maravilhas do capitalismo tropical. Nossos amigos oprimidos aproveitaram cada minuto das delicias burguesas, cheias de riso, sexo e cerveja. As damas de companhia ainda estão saboreando o dinheiro que ganharam dos lutadores da nação caribenha. Foram cinco dias de felicidade. Tanta fartura deixa qualquer um louco, não é?
O magnífico sonho só terminou quando os cubanos foram abandonados na pousada pelo alemão e seus comparsas, que saíram do país candidamente. As promessas de glória e dinheiro eterno talvez tenham deixado de interessar a empresa Black Star, idealizadora do projeto de levar os pugilistas para Alemanha.
Quando nossos amigos sentiram a falta dos gerenciadores beneficentes, no final do entardecer aconchegante da Praia Seca, foram caminhando até a Prefeitura de Araruama. O celular pré-pago que tinham ganhado dos “amigos” serviu para chamar a polícia. Os acontecimentos posteriores todos já sabem. Pobres cubanos, foram enganados pelo diabo germânico, na terra de Fausto.
Victor Alberto Danich
Sociólogo

FOME E DESENVOLVIMENTO

Recentemente, a Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO) divulgou um relatório que indica a existência de 52 milhões de pessoas subnutridas, das quais, 7% das crianças menores de cinco anos sofrem de desnutrição crônica na América Latina e no Caribe. Por outro lado, a FAO, citou o Brasil como exemplo da aplicação de políticas públicas que, em apenas três anos, tirou seis milhões de famílias (cerca de 20 milhões de pessoas) da pobreza extrema com programas especiais de segurança alimentar, no sentido de mitigar a fome numa região que tem uns dos índices de natalidade mais altos do mundo. Vale a pena ressaltar porque ocorre esse tipo de fenômeno, já que existem pessoas que tem uma idéia preconceituosa com referência as conseqüências da fome e da pobreza. O livro “A geografia da fome” do saudoso médico brasileiro Josué de Castro, cita que os altos coeficientes de natalidade são resultado de um princípio da biologia – a “teleonomia” – que é a propriedade que têm todos os organismos vivos de desempenharem as suas funções num ritmo e dinâmica que favoreçam ao máximo a sobrevivência do indivíduo e, sobretudo, da espécie. Sempre que uma espécie está ameaçada de morte, aumenta sua capacidade reprodutiva a fim de neutralizar o risco de exterminação.
Nesse caso, de acordo com Castro, os altos índices de natalidade dos países muito pobres obedecem à mesma lei biológica: representam o esforço natural dos seres humanos para sobreviverem em áreas em que os índices de mortalidade sempre foram extremadamente altos. Só dispondo de um excesso de pessoas – a maior parte para morrer e não para viver – poderiam estes grupos perdurar através do chamado ciclo anti-econômico da sua evolução populacional. A natureza do mecanismo biossocial que correlaciona em sentido inverso os baixos níveis de vida com altos coeficientes de natalidade, está ligado ao nível deficiente de alimentação, principalmente a fome específica de proteínas de alto valor biológico, fome que determina uma fertilidade potencial mais elevada na mulher, e uma maior capacidade de reprodução mais intensa. A fome torna-se um fator determinante na superpopulação, acentuando o coeficiente de natalidade e, com isso, o ritmo de expansão demográfica.
A situação das economias mais desenvolvidas ocorre no sentido inverso, no qual suas estruturas econômicas especiais que favorecem um abastecimento alimentar adequado, faz com que baixem os coeficientes de mortalidade. Esse fenômeno pode ser observado nos países desenvolvidos, nos quais o agir “teleonomicamente” também provocam uma baixa nos índices de natalidade, como é o caso dos países de alto nível de desenvolvimento econômico.
Pode-se concluir que a fome é resultado do progresso econômico defeituoso, que agrava e torna esse flagelo o principal motivo para a miséria: “a baixa produtividade por falta de energia criadora e do consumo ínfimo por falta de produtividade que venha criar uma razoável capacidade aquisitiva”.
Este fosso econômico entre ricos e pobres, divide a humanidade em dois grupos que, segundo Josué de Castro é: “o grupo dos que não comem, constituído por dois terços da humanidade, e que habitam as áreas subdesenvolvidas do mundo, e o grupo dos que não dormem, que é o terço restante dos países ricos, e que não dormem, com receio da revolta dos que não comem”.

Victor Alberto Danich - Sociólogo
Prof. do Centro Universitário de Jaraguá do Sul – UNERJ

EM NOME DE UM DEUS

A história da humanidade torna evidente que o ser humano precisa da existência de um deus como objeto de devoção, expressado na sabedoria superior que dirige o curso das coisas. Curso esse atribuído a seres divinos que também o criaram, ou melhor, a um ser divino no qual, em nossa civilização ocidental, todos os deuses da antigüidade foram condensados. Entretanto, a relatividade cultural sempre frustrou a idéia de um deus genérico que conseguisse nivelar os defeitos e os males da civilização, “excetuando”, é claro, o eurocentrismo religioso elaborado pela civilização branca e cristã, que acreditava ter chegado ao “conhecimento do Deus único e verdadeiro”.
A extrema diversidade das sociedades humanas raramente se apresentou aos homens como um fato e,sim, como um desvio de idéias aberrantes que precisavam ser modificadas, expulsando da cultura para a natureza todos os que não faziam parte do projeto cultural do ocidente cristão e “civilizado”. Entre os critérios utilizados pelos europeus a partir do século 14 para julgar se os índios mereciam estatuto humano, figuravam os tipos de crenças, o comportamento alimentar, aparência física e a forma de linguagem. Assim, não acreditando em Deus, não tendo alma, não tendo acesso à linguagem, os selvagens foram colocados na degradante categoria de “bestas pecadoras”.
Quando Hernan Cortez chegou a Tenochtitlán, a fabulosa capital asteca de 300 mil habitantes, ficou horrorizado com os sacrifícios humanos realizados pelos nativos em oferenda aos deuses. Porém, não se preocupou em dizer que tinha chegado à América “para servir a Deus e a sua Majestade e também por haver riquezas”. Os conquistadores espanhóis liam para os nativos, sem intérprete e na frente de um escrivão público, um longo “requerimento” em que eram exortados a converter-se à fé católica, sob pena de serem condenados à escravidão ou à morte, como simples justificativa para a febre que provocava, nas hostes da conquista, o deslumbramento dos tesouros do novo mundo.
A cobiça e o terror despertado pelos conquistadores provocaram um dos maiores genocídios da história da humanidade, no qual uma população pré-colombiana de 90 milhões foi, em apenas um século e meio, reduzida para 3,5 milhões de habitantes, dizimada pela exploração, pelas doenças até então desconhecidas e pelos espantosos tormentos a que era submetida. No século 17, como corolário de semelhante infâmia, o padre Gregório Garcia sustentava que os índios eram de “ascendência judaica”, porque, como os judeus, “eram preguiçosos, não acreditavam nos milagres de Jesus Cristo e não eram gratos aos espanhóis por todo o bem que lhes fizeram”. Não é de estranhar que o padre Bartolomeu de las Casas, fervoroso defensor dos índios, comentasse que eles “preferiam ir ao inferno a se encontrar com os cristãos”.
Podemos observar que em toda a história da conquista do novo mundo, o uso de um deus “europeu” não serviu como projeto de evangelização, porque nunca foi respeitado o conceito de alteridade cultural. Esse conceito deveria ser focado mais na inumanidade dos conquistadores do que na humanidade dos conquistados, como maneira de questionar a visão que o ocidente cristão sempre teve da própria humanidade – a de se negar a reconhecer a existência da pluralidade cultural como eixo articulador das diferentes sociedades. Parece passado, mas a destruição de culturas milenares ainda pode ser vista nos rostos tristes e desfigurados dos descendentes de povos que um dia tiveram o orgulho de possuir suas próprias civilizações e seus próprios deuses.

Prof. Victor Alberto Danich



O SISTEMA PENAL E O ROUBO

Vamos imaginar um maltrapilho roubando numa feira. Seguramente ele é aprisionado de maneira rápida e eficiente. A prisão é apenas um procedimento socialmente aceito como punição a um ato delitivo. As maiorias das pessoas apóiam de maneira entusiasta as sentenças e as condenações. Esses atos exemplares restauram a ordem e consolida a lógica da própria lei. Todos se sentem aliviados, a segurança pessoal está novamente a salvo.
Entretanto, todos sabemos que o sistema penal, na maioria das vezes, pune a base e não o topo da sociedade. Existe uma explicação para isso; os legisladores possuem uma idéia seletiva do que significa a preservação da ordem. É muito mais fácil enquadrar no código criminal aquelas pessoas que cometem delitos dentro de parâmetros específicos contemplados na lei. O flagrante visível é a principal arma. Roubar a poupança e os recursos das nações é chamado de “mercado livre” ; tirar os meios de subsistência de milhões de trabalhadores é chamado de “flexibilização” ou “racionalização”. Nada disso até hoje está enquadrado como ato criminoso a ser passível de punição.
Não existe nada de ofensivo nesta questão, imagino que muitos legisladores devem-se sentir impotentes pela falta de mecanismos legais que punam este tipo de coisas. Os atos ilegais realizados nos setores mais altos da escala social, são invisíveis como uma substância etérea, parecem existir apenas virtualmente. Nas grandes transações a escala mundial, onde imperam atividades focadas no ganho pessoal a custa dos outros, a tênue e imprecisa linha que separa os atos delituosos dos legais, em nada se assemelha ao roubo de um pedaço de frango numa feira.
Não é de estranhar que as prisões estejam cheias de indivíduos identificados como “o setor excluído da sociedade” e catalogados na ordem específica de crimes tradicionais. Os crimes realizados “no topo da escala social” dão a impressão de acontecerem sem a participação de indivíduos, como se fossem sobrenaturais, sem substância física. É tão vasta a rede de cumplicidade, de poder financeiro e procedimentos sofisticados, que estes atos criminosos ocorrem numa abstração tal, que se tornam impossíveis de serem detectados. É possível imaginar que nesse “corporativismo criminoso” a origem de grandes fortunas seja através de operações dolosas, mas demonstrá-lo significaria um risco sumamente perigoso.
Temos claros exemplos de “crimes de colarinho branco” que raramente são levados aos tribunais e ao conhecimento da opinião pública, ainda assim com a ajuda exaustiva da imprensa oral e escrita, como no caso recente do Juiz Nicolau e do Senador Luiz Estevão, ou os ex-presidentes Menem da Argentina e Fujimori do Peru, acusados por desvios do patrimônio público e formação de quadrilha. No entanto, fraudadores, estelionatários, autores de desfalques, mafiosos, grandes traficantes, e todo tipo de autores de “crimes empresariais”, possuem uma capacidade ilimitada de realizarem acordos fora dos tribunais do que qualquer delinqüente que faz parte da “base da sociedade”. O que ocorre durante os processos de julgamento dos “ladrões de alto nível” desafia a imaginação mais fértil até os limites da ciência ficção, infinitamente longe do drama cotidiano daquele simples ladrão de galinhas.

Victor Alberto Danich
Sociólogo/ Jaraguá do Sul

O RETORNO DOS ESPERTOS

A revista “Veja” (09/05/2007) publicou um artigo de Álvaro Vargas Llosa, diretor do pomposo Centro para a Prosperidade Global, chamado de “O retorno do idiota” no qual faz uma análise das novas políticas adotadas por alguns países da região. Tal artigo reproduz uma visão totalmente comprometida com os interesses de um modelo que associa o mito liberal à globalização irreversível, marcada pela economia de mercado, expressão capenga do progresso indefinido da velha ilusão do século XIX, hoje revitalizada. Tal artigo, veiculado por uma revista suspeita, ridiculariza qualquer tipo de iniciativa dos governos locais, como também intelectuais de peso no cenário mundial. O que quer que aconteça, além das tragédias ocasionadas pela onda neoliberal da década de 90, os ideólogos de tal modelo nos dizem que o mundo está no caminho do capitalismo integral. O único empecilho são os “métodos ineficazes das novas gerações de revolucionários” que tentam sabotar um projeto assentado na prosperidade e oportunidade para todos. Apesar de que a realidade desmente tal crença, lá estão os gurus para explicar que tal leitura é falsa, resultado do “ego fraco dos nossos povos” “profundamente ressentidos” por não ter acesso à mobilidade social. Tal retórica tenta eliminar para sempre contribuições importantes para entender a história latino-americana. Entre elas se encontra o fenômeno do desenvolvimento e subdesenvolvimento, principalmente a teoria do imperialismo. Essa manobra serve apenas para ocultar os ideais progressistas dos anos setenta, que se apresentavam como a esperança de um mundo mais justo e fraterno. Os astutos espertos, donos das riquezas concentradas globalmente, calam o fracasso da euforia neoliberal dos anos 90 de governos mascarados de democracia formal, mais que na realidade eram manejados por grupos elitistas e corruptos. O que temos hoje? Um mundo dominado por monstruosas megaempresas sem fronteiras, consumos fantasiosos e grande concentração de riqueza no centro e nas periferias. O lado oposto desse poder é a expansão da miséria, das rebeliões islâmicas, dos indígenas de Chiapas, dos excluídos e refugiados da Europa Oriental, do parasitismo financeiro e da ascensão global das redes mafiosas. O projeto de decomposição cultural realizado por publicações de tal natureza, que tenta substituir as crenças coletivas igualitárias fundamentadas nas identidades nacionais, por outras centradas nas diversas formas de egoísmo individualizante e depreciativas, apenas serve para justificar o parasitismo predador das forças produtivas, sustentada por uma ideologia destruidora de qualquer iniciativa que tente impedir os “espertos” de continuar construindo seus mundos de riquezas particulares.
Victor Alberto Danich
Sociólogo – Prof. Do Centro Universitário de Jaraguá do Sul - UNERJ

SEXUALIDADE, SOCIEDADE E FRUSTRAÇÃO

Toda a civilização, dizia Freud, repousa numa compulsão ao trabalho e numa renúncia as pulsões. O fato de uma pulsão não poder ser concretizada transforma-se numa frustração. A norma pela qual esta frustração ocorre chama-se proibição, produto de algum tipo de privação usada como forma de dominar os próprios desejos instintivos, que liberados, levam ao ser humano a quebrar as regras estabelecidas, condenando-o ao opróbrio. No “O futuro de Uma Ilusão”, de 1927, Freud destacou que as religiões prestaram grandes serviços à civilização, no sentido de introduzir elementos valiosos para a convivência humana. Proporcionaram mecanismos de unificação e solidariedade, além de princípios éticos orientadores para a vida de um indivíduo. Entretanto, principalmente as doutrinas ocidentais, também se ocuparam de introduzir o exercício da culpa em relação ao sexo.
Na sociedade vitoriana, impregnada de moral puritana e hipocrisia social, as mulheres “decentes” não tinham direito ao prazer sexual e faziam sexo apenas como um “dever” para com seus maridos. Assim, como naquela época, a maioria das restrições sexuais atuais é conseqüência da instituição e controle de grandes grupos, através da inoculação do sentimento de culpa. Sexo, impureza e pecado, foram colocados, através desse controle, no mesmo nível de comparação. A incorporação histórica dessas idéias terminou por se institucionalizar no inconsciente coletivo da sociedade, tornando-as sumamente difíceis de transformar.
O problema da “culpa” se agrava por causa da ignorância, da repressão, da distorção dos conceitos, que embora na atualidade não exista de forma declarada, se faz sentir de forma profunda dentro do psiquismo. Muitos homens e mulheres recorrem à instituição matrimonial, não apenas porque desejam estar juntos, senão também como “tábua de salvação” para garantir a autorização social das relações sexuais.
Numa sociedade pequena e conservadora, como aquela do filme “Nunca saberão quanto te amei”, estrelando Frank Sinatra e Shirley MacLaine, que conta à história de um escritor sumamente talentoso, que voltando da guerra da Coréia, e não conseguindo se encaixar nos rígidos esquemas de controle social da comunidade, é rejeitado pela professora “livre de qualquer suspeita” que, apesar de estar apaixonada por ele, não logra ultrapassar a pressão social e o preconceito dos habitantes da cidade.
Essa história parece muito distante, foi rodada em 1956. Hoje, nenhum homem perde a reputação se uma mulher o rejeita, e nenhuma mulher é condenada socialmente porque se entrega a um desregrado. Entretanto, os mecanismos de sedução e de manipulação, a idealização fantasiosa dos sentimentos alheios para entender suas ações e tirar partido deles, ainda existem. De uma maneira menos cruel e até mais escondido. Mas esse mecanismo pode ser reconhecido no mexerico confidencial. Fica-se aturdido quando se houve as mulheres falarem da vida particular de seus amigos e conhecidos circunstanciais. Destes, geralmente, os homens conhecem o comportamento profissional, enquanto que as mulheres sabem com detalhe, e de maneira surpreendente, os seus comportamentos mais íntimos. Sabem que fulano tem uma amante, como ele a conquistou, em que horário se encontram, o vestido, o carro e o local para onde estão se dirigindo. Mas a poderosa fantasia, preconceituosa e gratuita, é a descrição cheia de detalhes e artifícios, que surpreende por sua elaboração: uma pequena história das intenções dele, das manobras dela, do perigo do relacionamento, do desenlace e das frustrações. Existem mulheres com uma capacidade ilimitada de descrever, com precisão espantosa, a totalidade da vida amorosa de uma cidade.
Na realidade, as frondosas fantasias amorosas das mulheres, mostra-nos claramente que elas sempre estão em busca do homem eleito. Quando ele as ignora, descarregam sua frustração transformando-o num ser sem qualidades. Seus erros amorosos são desqualificados sem piedade, e a moral vitoriana, com seus fartos condicionantes eróticos, se reproduz inconscientemente na mistura explosiva entre desejo e reprovação, como a pequena história de Paul Watzlawick: “Uma mulher que mora à beira do rio foi à polícia dar queixa de uns moços que tomavam banhos pelados, diante de sua casa. O policial mandou os rapazes a tomarem banho mais adiante, rio acima, onde não há mais casas, e não defronte da casa da mulher. No dia seguinte, a senhora telefonou novamente: ela ainda conseguia ver os rapazes. O policial foi até lá novamente e mandou-os para mais longe. Dias depois, a mulher indignada, voltou a delegacia, queixando-se ao delegado: Da janela do sótão da casa ainda conseguia vê-los de binóculo”.

Victor Alberto Danich
Sociólogo