quinta-feira, 17 de janeiro de 2008

PEDAGOGIA DO OPRESSOR

Victor Alberto Danich
Mestre em Engenharia de Produção pela Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC, Bacharel em Ciências Políticas e Sociais pela Universidade Municipal de São Caetano do Sul – IMES, Professor de Graduação do Centro Universitário de Jaraguá do Sul – UNERJ e Gerente da Incubadora de Projetos Tecnológicos, do Núcleo de Desenvolvimento Integrado de Incubação – JaraguaTec.

1 Introdução

Neste trabalho, apresenta-se uma abordagem crítica do Artigo “Pedagogia do Oprimido?”, de autoria de Marco Aurélio Antunes, publicado em Mídia Sem Máscara (2004), no sentido de exemplificar, de maneira pedagógica, como a construção ideológica da realidade social pode ser feita através de determinados juízos de valor, cujo ponto de partida e objetivos são sempre, mesmo de modo inconsciente, a apologia da ordem de coisas existentes ou, pelo menos, a “demonstração de sua imutabilidade”, tentando-se suprimir desse modo, todo processo de evolução histórica centrado num relato da sociedade como realidade concreta.
Num modo de produção capitalista, negar a existência de classes é negar a própria dinâmica dos processos históricos, no qual a “consciência”, como sujeito concreto, é o único meio pelo quais os homens podem relatar cada momento de sua existência. Nas sociedades pré-capitalistas, as classes não podiam ser destacadas da realidade histórica, a não ser por meio de uma interpretação “das conexões complicadas e ocultas” daqueles modelos sociais. Isso acontecia porque os interesses econômicos de classe só surgiram com o advento do capitalismo, no qual, os momentos econômicos tornam-se uma realidade concreta presente na própria consciência de seus gestores. Com o aparecimento do capitalismo e a conseguinte extinção da estrutura estamentária o feudal, surgiu uma nova sociedade de articulações puramente econômicas, na qual a lutas sociais refletiram-se num confronto ideológico entre a descoberta ou a dissimulação do caráter de classe desse modelo social.
Segundo Lukács (1979), a consciência de classe é “ao mesmo tempo uma inconsciência de sua própria situação econômica histórica e social, determinada de conformidade com a classe”. Essa situação é dada como uma relação estrutural condicionada a partir de uma “ilusão ideológica”, que não permite perceber a diferença entre a passividade de uma classe e o caráter dominador de outra. Isso significa que, a vocação de uma classe para dominar a sociedade, vai depender como a mesma organizará o conjunto dos interesses de classe num determinado momento histórico. Entretanto, esses interesses permanecem ocultos por trás dos móveis dos homens que atuam nesse processo, já que o mesmo deve ser apresentado com um caráter a – histórico, no qual as forças produtivas da sociedade se apresentam apenas como leis da própria natureza, e não como instrumentos sujeitos a decisões puramente humanas.
O trabalho de Paulo Freire, excepcional na sua metodologia e extraordinário no seu conteúdo, expressa, de um ponto de vista pedagógico, a mazelas da sociedade capitalista, assim como também as relações de poder que se instalam na própria organização burguesa da sociedade. Parte da idéia fundamental de que educador e educandos são sujeitos indissolúveis na tarefa de recriar o conhecimento. Ao desvelá-lo através da reflexão histórica, supera-se a concepção “bancária” como instrumento de opressão, e parte-se para a construção de uma nova forma de pensar o mundo, que privilegie “a presença dos oprimidos na busca de sua liberdade”, por meio da transformação da sociedade através da conscientização educadora.

2 A construção ideológica da realidade

Mostra-se evidente, que o texto de Marco Aurélio Antunes, encontra-se muito longe de uma interpretação baseada em argumentos históricos. Suas colocações não passam de uma análise superficial de acontecimentos fragmentados, levando-o a fazer uma leitura incorreta do pensamento de Paulo Freire enquanto significado do termo “opressor” e “oprimido”, usando, para isso, o argumento da inexistência de classes sociais como categoria histórica.
Ao afirmar que “para que exista classe social não basta haver diferenças de renda” senão que “é preciso que as pessoas de um determinado grupo social se reconheçam como uma unidade, que tenham os mesmos propósitos” está, curiosamente, apenas confirmando alguns dos requisitos para a sua existência. Esse erro conceitual desmorona o edifico ideológico com o qual o autor tenta sustentar seu discurso, principalmente ao dizer que “para provar a existência das classes sociais, é necessário provar que elas estão em conflito”.
Não é a ocupação, nem o montante dos rendimentos, nem o estilo de vida, que constitui o principal critério para definir uma classe social, embora todos sejam critérios secundários para sua identificação. Esses aspectos, assim como o poder político, não são mais do que fatores dependentes que refletem a característica fundamental das classes sociais.
Lênin, citado por Ossowski (1964, p.89) expôs o conceito de uma forma muito clara:
“Chamam-se classes sociais aos grandes grupos de homens que se distinguem pelo lugar que ocupam num sistema historicamente definido de produção social, por sua relação (na maioria das vezes fixada e consagrada por lei) com os meios de produção, por seu papel na organização social do trabalho e, conseqüentemente, pelos meios que têm para obter a parte da riqueza social de que dispõem e o tamanho desta. As classes são grupos de homens, dos quais um pode apropriar-se do trabalho de outro, em virtude da posição diferente que ocupam num regime determinado da economia social”.

As classes sociais, como categorias históricas, sempre estiveram ligadas à evolução e ao desenvolvimento da sociedade; encontram-se no interior das estruturas sociais constituídas historicamente. As diferentes classes existem em formações sócio-históricas particulares, e nunca foram imutáveis no tempo: formam-se, desenvolvem-se, modificam-se na medida em que a sociedade se transforma. Representam, ao contrário da opinião de Antunes, as contradições principais da sociedade; são o resultado dessas contradições e, por sua vez, contribuem para o desenvolvimento das mesmas.
Entre as classes e a sociedade e entre elas mesmas existe um movimento dialético constante, cujas particularidades só podem ser descritas através da investigação empírica. É exatamente isso que Paulo Freire (2001, p.126) quer dizer ao expressar que “não há nada, contudo, de mais concreto e real do que os homens no mundo e com o mundo. Os homens com os homens, enquanto classes que oprimem e classes oprimidas”.
Antunes, ao negar a existência das classes sociais está, sem perceber, mascarando a realidade social através de juízos de valor, próprios dos interesses de classe que tentam obscurecer aquele conceito. As oposições entre as classes não acontecem apenas no campo acadêmico, também se manifestam em todos os níveis da ação social, sobretudo no campo político e econômico. As classes, não são apenas elementos estruturais e inofensivos da sociedade. Também são agrupamentos e grupos de interesses político-econômicos particulares que, em determinadas circunstâncias, adquirem consciência de si mesmos e partem para a conquista do poder, colocando os aparelhos ideológicos do Estado a seu serviço. (ALTHUSSER, 2001).
Por tanto, contrariamente ao que Antunes sustenta, ao dizer que os fatos históricos não demonstram haver conflitos entre as classes, poder-se-ia verificar, ao contrário, que as lutas e os conflitos entre as classes são a expressão concreta das contradições internas de sistemas sócio-econômicos específicos. As relações que existem numa época determinada entre as classes da sociedade, se refletem na estrutura do poder e no Estado. Se bem que o Estado representa, quase sempre, os interesses da classe dominante, este pode na prática, muitas vezes, assumir um papel mediador entre as diferentes classes ou categorias sociais, passando uma impressão de neutralidade. Por outro lado, as revoluções sociais, em sua qualidade de transformações das estruturas sócio-econômicas, implicam a substituição no poder duma classe por outra. Mas nem todas as substituições desse tipo implicam revoluções sociais radicais. Existem alternativas para intervir no sentido de modificar o curso do desenvolvimento social.
A “revolução” de Paulo Freire é a conscientização através da alfabetização. É a revelação da essência da sociedade, transformando-se na teoria objetiva da consciência de classe rumo a sua possibilidade real. Essa revolução estaria centrada na mudança dos antigos valores por novos desígnios culturais, que leve as massas à conquista de sua liberdade. Qual conquista seria essa? A desmistificação do mito burguês, aquele ao qual Freire se refere:

“O mito, por exemplo, de que a ordem opressora é uma ordem de liberdade. De que todos são livres para trabalhar onde queiram. Se não lhes agrada o patrão, podem então deixa-lo e procurar outro emprego. O mito de que “esta ordem” respeita os direitos da pessoa humana e que, por tanto, é digna de todo apreço. O mito de que todos, bastando não ser preguiçosos, podem chegar a ser empresários – mais ainda, o mito de que o homem que vende, pelas ruas, gritando: “doce de banana e goiaba” é um empresário tal qual o dono de uma grande fábrica. O mito do direito à educação... O mito da igualdade de classe, quando “o sabe com quem está falando?”é ainda uma pergunta dos nossos dias. O mito do heroísmo das classes opressoras, como mantenedoras da ordem que encarna a “civilização ocidental e cristã” que elas defendem da “barbárie materialista”.... O mito da operosidade dos opressores e o da preguiça e desonestidade dos oprimidos. O mito da inferioridade “ontológica” destes e o da superioridade daqueles” (FREIRE, 2001, p.137)


3 Uma pequena história do trabalho assalariado

Torna-se importante fazer um pequeno parêntese neste item, de modo a entender porque é necessário abordar a opinião de Antunes quando diz que “Paulo Freire não é um investigador que quer saber como é a realidade; ele quer moldá-la segundo as suas taras ideológicas” e cita “Se toda compra e venda de trabalho é escravidão, então os trabalhadores de países desenvolvidos, que recebem bons salários, são tão escravos quanto os miseráveis dos países atrasados?” .
Colocar esta afirmação fora do contexto histórico do desenvolvimento capitalista, representa uma audácia sem limites. Um leitor desprevenido até poderia ser convencido com tal argumentação. Entretanto, é importante relembrar alguns fatos históricos da acumulação primitiva do capital como forma de desmascarar tal posicionamento ideológico. É importante analisar com detalhes o que segue.
Desde tempos remotos, na Inglaterra do século XII, os camponeses empregaram vários modos de regular o uso da terra em função de práticas comunitárias que, restringindo certas práticas e aplicando certos direitos, serviram para distribuir os frutos da terra de maneira mais eqüitativa, e geralmente, para ajudar os membros menos favorecidos da comunidade. Aquelas práticas consuetudinárias permitiram que a propriedade privada das terras estivesse sujeita as algumas regras comunitárias, na qual os membros da comunidade tinham o direito de colher sobras das lavouras, da pastagem ou o direito de apanhar lenha nas terras particulares. Entretanto, a partir do século XVIII, surge uma imensa pressão por parte dos latifundiários e fazendeiros capitalistas para que as terras ficassem livres dos direitos consuetudinários de maneira de não interferirem no processo de acumulação capitalista, efeumisticamente chamado de “uso produtivo e lucrativo das propriedades”. A partir dessa premissa, o cercamento das terras traz uma redefinição dos direitos de propriedade, que além extinguir os direitos comunais históricos, conquistou as terras para a agricultura capitalista, lançando milhões de camponeses a uma vida de mendicância e vagabundagem, além de entregarem “à indústria das cidades os braços dóceis de um proletariado sem lar e sem pão”.
A legislação contra a vadiagem promulgada no fim do século XVI, em grande parte da Europa, tratou o novo proletariado como criminosos voluntários, na qual, a antiga população das terras comunais, violentamente expropriada e reduzida à mendicância, deveu-se submeter à disciplina que exige o trabalho assalariado através de leis desumanas e grotescas: “o açoite, a marca com ferro no fogo, a tortura e a escravidão”.
A Legislação sobre o trabalho assalariado, “Statute of Labourers” em 1349, foi inaugurada na Inglaterra pela Câmara dos Comuns (ou seja, os compradores de trabalho), que estabelecia o máximo legal acima do qual o salário não podia ser elevado, deixando de lado, sem problemas de consciência, a prescrição do mínimo legal. Eduardo VI, em 1547 ordenou, através de um estatuto no primeiro ano de seu reinado, que todo indivíduo refratário ao trabalho seja julgado como escravo da pessoa que o tenha denunciado como “vadio”, obrigando-o, por direito, aos serviços “mais repugnantes por meio do chicote e da corrente”. John Strype, citado por Marx, em seus “Annals of the Reformation and Establishment of Religion”, refere-se aos indivíduos que circulavam pelo país mendigando eram imediatamente declarados vagabundos e, os Juízes de Paz, em sua maioria proprietários de terras, manufatureiros, pastores protestantes ou outros membros das classes mais privilegiadas, “investidos de jurisdição criminal em suas sessões ordinárias”, podiam usar as leis para açoitá-los publicamente e condená-los a seis meses de prisão ou, se for o caso, à execução sumária sem qualquer tipo de compaixão.
Em 1871, finalmente foi reconhecida a existência legal das sociedades operárias de resistência – “Trade Unions”, porém subordinadas as leis contra as associações, regulamentadas por uma legislação de exceção, interpretada e manipulada pelos patrões na sua condição de Juizes de Paz. Encontramo-nos no século XXI, e as atrocidades relatadas parecem coisas do passado. No entanto, milhões de trabalhadores ainda circulam pelos continentes “sem lar e sem pão” sujeitos a um modelo burguês de justiça do trabalho, inconscientemente reprodutor das velhas práticas, porém disfarçado de contemporaneidade, que se empenha em dar prioridade “aos modelos burocráticos de gestão” do que cumprir com seu papel fundamental, que é resguardar a dignidade dos trabalhadores que são, em última instância, os produtores diretos da riqueza deste mundo. Será que Paulo Freire, como educador, tinha uma visão deformada desta realidade social?.

4 Dependência e liberalismo econômico

Paulo Freire tenta ser desqualificado por Marco Aurélio Antunes quando cita que: “Para Freire, a economia é um jogo de soma zero, em que o enriquecimento de um país é resultado da exploração dos mais pobres” – e continua – “É uma teoria completamente ridícula, só defendida por pessoas que ignoram as mais básicas noções de economia” – e conclui – “A história contemporânea desmente a “teoria da dependência” e outros delírios dos socialistas”. Curiosamente, tal teoria é obra do ex-presidente e sociólogo Fernando Henrique Cardoso, uns dos principais articuladores da política neoliberal implantada no Brasil durante seu governo.
O erro conceitual de associar o fracasso das economias planificadas ao suposto triunfo do capitalismo mostra, por parte de Antunes, um absoluto desconhecimento do desenvolvimento histórico desses modelos econômicos. Deve-se lembrar que o capitalismo foi salvo na década de 30 pelas políticas de interferência do governo na economia. Durante esse período, o economista inglês John Maynard Keynes, em plena crise da Bolsa de Valores, demonstrou que o auto-ajustamento do mercado era apenas um mito, influenciando aos governos a utilizarem uma política de tributação, de empréstimos e gastos, com clara intervenção estatal. Por outro lado, o pretenso “atraso econômico” latino-americano não é produto da incapacidade de seus povos ou das esquerdas utópicas, e sim de uma história de pilhagem e espantosos tormentos devidos à brutal expansão do capitalismo.
A ideologia neoliberal se lambuza com o fracasso da economia planejada do “socialismo real” e se vangloria pelo avassalador triunfo da economia de mercado. Entretanto, vale a pena perguntar-se o que é o “capitalismo real” nessa contingência histórica. Ele não consiste apenas no desenvolvimento criativo e privado das forças produtivas. Seu lado sombrio sempre é disfarçado quando se trata de impor a idéia do progresso, da eficiência e da produtividade. A expansão do capitalismo sempre esteve vinculada a um processo histórico de espoliação e colonialismo. Durante estes últimos duzentos anos, a chantagem financeira e tecnológica somou-se à concorrência desleal e livre do poderoso frente ao fraco. Para isto, não é necessário relembrar o muro econômico que dividia as “duas Alemanhas”. Basta olhar para o muro construído recentemente, que separa a opulência americana dos pobres que habitam o imenso território que vai do México à Terra do Fogo.
Bastaria acrescentar que a característica mais perversa do modelo neoliberal que vigora na atualidade é a espoliação das economias dependentes. Há exemplos desoladores da aplicação de políticas liberais de privatização e financeirização da economia, como é o caso da Argentina, que teve uma imensa classe média intelectualizada e poderosa até a década de setenta, que esfumou-se por arte de mágica durante o regime militar, cuja tarefa foi preparar o terreno para o modelo neoliberal dos anos 80. Isso quer dizer que não existem exemplos lineares que procurem artifícios para justificar a pobreza dos povos.
É evidente que a idéia de democracia burguesa e liberalismo faz sentido para o seleto grupo das famílias mais ricas do Brasil, que possuem “privadamente” em suas mãos, nada menos que o 75% do PIB brasileiro. Certamente que a palavra liberalismo é uma palavra mágica para apenas 5 mil famílias que, sozinhas, detêm 45% da riqueza produzida em um ano no Brasil. Essas pessoas não são seres diabólicos prestes a tirar o sangue dos pobres. São seres humanos que circulam dentro de uma realidade construída socialmente, que está direcionada para atender os interesses de classe à qual pertencem. O surgimento de movimentos de esquerda nacionalistas e estatizantes, que o jargão de direita chama pejorativamente de populistas, é a resposta, tal vez cambaleante, ao fracasso do modelo neoliberal como alternativa social. Esse fracasso é resultado da procura voraz de acumulação financeira e concentração de renda de maneira eticamente desprezível.
Nesse paradigma ideológico, a democracia que imaginamos deve estar assentada em mecanismos políticos que garantam, com feições humanas, o prevalecimento dos valores coletivos sobre os individuais ou, como diz Paulo Freire “A ação cultural, ou está ao serviço da dominação – consciente ou inconscientemente por parte de seus agentes – ou está a serviço da libertação dos homens”.
5 Sobre modelos de sociedade

Marcos Aurélio Antunes refere-se a “pedagogia do oprimido” como uma doutrinação ideológica, que resultaria na imposição de uma ditadura comunista, usando como argumento uma crítica feroz ao pensamento de esquerda que predominava nos movimentos sociais da década de 60. Parte do pressuposto do fracasso das economias socialistas e das previsões erradas dos intelectuais de esquerda daquela época dizendo que “a esdrúxula idéia de ser para si na verdade é uma abstração vazia, que nada significa”.
Antunes elabora um exemplo detalhado, citando fontes estatísticas, do fracasso da Revolução Russa e suas implicações sociais. Entretanto, o colapso comunista na antiga União Soviética e no Leste Europeu ainda continua provocando acaloradas discussões intelectuais com sabor de vitória, como se tudo não passasse de uma mera competição ideológica, que confirmou na prática o fracasso de um modelo alternativo para a economia mundial.
O prazer da lembrança está centrado na crítica ao suposto irrelevante saudosismo de alguns sonhadores ingênuos, esperançosos do alcance da prosperidade material num mundo construído com justiça social. No entanto, a essência da crítica intelectual deve estar direcionada, além das instâncias do passado, também para a análise das conseqüências advindas de um mundo que, até então polarizado ideologicamente, entra numa fase contraditória entre democracia e um tipo de sociedade que funda sua sustentabilidade apenas na maximização do lucro. Na atualidade, existem muitas razões para fazer uma revalorização crítica do fracasso da experiência do socialismo estatista e da burocracia coletivista que caracterizou ao modelo soviético, fundamentalmente na idéia de concebê-lo a partir da construção de um socialismo pluralista e democrático. Mas para isso é necessário entender que a volatilização das ilusões que estimularam as fantasias da globalização neoliberal, centrada no renascimento econômico dos países subdesenvolvidos, da transição para o capitalismo da Europa Oriental, do surgimento dos tigres asiáticos e, sobretudo, da prosperidade ilimitada dos Estados Unidos, terminou por mostrar a verdadeira cara de um modelo em que todos os agentes econômicos dependem do mercado, nos quais os requisitos da competição e a maximização do lucro são colocados como regras fundamentais da vida e do progresso. Se essa alternativa se configurar como sempre acontece, em crises econômicas cíclicas, ela termina afetando o grosso do trabalho da sociedade gerado por trabalhadores sem posses que, vendendo sua força de trabalho no mercado a fim de subsistirem, terminam condenados a um humilhante processo de exclusão social.
Porém, a pesar das fraquezas e as contradições do sistema capitalista, seus defensores são incapazes de mudar a convicção de que não existe nem poderá haver qualquer alternativa a esse paradigma econômico. Essas idéias são respaldadas não apenas pelo feitiço ideológico neoliberal, senão por crenças dogmáticas que apresentam as leis do movimento histórico como essencialmente capitalista. Certamente, pensadores e poetas perseguidos no regime comunista tinham poucas chances de sonhar, o realismo soviético coletivizava sua individualidade. No sistema capitalista, por outro lado, todos, inclusive poetas e pensadores, que também são produtores diretos em relação ao mercado, terminam subordinando seu intelecto a regras bem definidas, que transforma sua força de trabalho intelectual numa simples mercadoria, entregada a um modelo de alienação que impõe o mais rigoroso limite ao possível sonho singular de um mundo sem explorados. O pensamento de Paulo Freire existe para confirmar essa tendência.

6 Alguns dados estatísticos que mostram o fracasso do liberalismo econômico


A partir dos anos 70, de acordo com Roldán (2000), a avalanche financeira sepultou por completo as estruturas de produção material e propiciou a terceirização nas economias mais poderosas. Foi justamente nos Estados Unidos que esse processo mais avançou, transformando-se num parasitismo colossal, com suas fases especulativas, que terminou provocando uma ruptura cultural dramática. A nova economia global do imaginário burguês terminou substituindo o engenheiro industrial pelos operadores de bolsa. O mundo dos produtos tangíveis perdeu terreno diante da “economia virtual”, de acordo com as necessidades estratégicas da burguesia gerencial que começava a perfilar-se no novo cenário mundial.

A desregulamentação econômica não necessariamente significa um passo no avanço civilizatório. Os gestores desse processo, chamado de “destruição criadora”, Margaret Thatcher e Ronald Reagan, conseguiram transformar os Estados em espectadores falidos, em soberanias apenas nominais, incapazes de sustentar o consumo social, facilitando a desregulamentação, liberalização, flexibilidade, alivio de cargas tributárias e facilitação das transações no mercado financeiro imobiliário e trabalhista, abandonando uma grande parcela dos trabalhadores à sua própria sorte, condenados sem qualquer sensibilidade, a um perverso processo de exclusão social. A única tarefa permitida ao Estado é a realização de um “orçamento equilibrado” deixando ao “ímpeto explorador das empresas” a tarefa da inexorável disseminação das regras do livre mercado.

Acompanhando esse novo “paradigma econômico”, Ohmae (1997), afirma que “os estados-nações se converteram em unidades de operação artificiais, inviáveis mesmo em uma economia mundial”, substituindo definitivamente a ultrapassada idéia de “soberania política” como também a “democracia liberal como aquela aplicada no ocidente”, já que ambos os conceitos seriam um empecilho para o desenvolvimento da economia global, numa clara justificativa das “promessas de prosperidade” do novo modelo neoliberal.

Entretanto, Beinstein (2001) recusa essa visão dizendo que o processo de globalização em andamento “carece da ética necessária para sustentar-se politicamente”, citando que as transações financeiras intercambiais puramente especulativas, chegaram em 1998 a um volume diário de US$ 1,3 bilhão, cinqüenta vezes mais que o volume de trocas comerciais, e quase o mesmo que a soma das reservas de todos os “Bancos Centrais” do mundo, que é de US$ 1,5 bilhão. Nenhum Estado é capaz de resistir tamanha pressão especulativa sem perder sua autonomia técnico-financeira. Por outro lado, a rede global de comunicação que supostamente deveria ser uma forma de compartilhar “emoções e dinheiro” é na realidade usada de maneira seletiva. Os pobres do mundo, sejam do velho ou do novo, hereditários ou frutos da computação, dificilmente terão a possibilidade de participar numa esfera onde novas fortunas, nascem, crescem e florescem na realidade virtual, totalmente aléias da rude realidade dos excluídos. Na antiga economia Keynesiana, os ricos precisavam dos pobres para enriquecer-se. Os novos ricos do mundo global não mais precisam deles. O sonho liberal do operário descartável está próximo de concretizar-se. Este fato está muito bem detalhado por Beinstein (2001), quando cita o Relatório do Banco Mundial de 1999, Sobre o Desenvolvimento, que indica que a riqueza total dos 358 maiores “bilionários globais” equivale à renda somada dos 2,3 bilhões mais pobres, que corresponde a 42% da população mundial. O informe acrescenta que só 22% da riqueza global pertencem aos chamados “países em desenvolvimento” que representam 80% da população mundial, conforme a figura 1.


Países Participação na população mundial Participação no Produto Mundial Bruto
Alta Renda 15% 78,4%
G7 11,5% 65,1%
Média e baixa renda 85% 21,6%

Figura 1 – Países centrais e periféricos na economia mundial – 1999. (BEINSTEIN, 2001).
Se estas estatísticas forem analisadas a partir da parcela de renda global, pode-se observar que em 1991, 85% da população mundial recebiam apenas 15% desse total. Em termos de evolução do PIB mundial que chegou a 28.940 bilhões de dólares em 1994, contra 8.280 em 1960, verifica-se que cerca de 50% desse PIB está concentrado nas mãos dos países desenvolvidos. Estes países, por outro lado, captam 80% dos investimentos produtivos, sendo que para o resto do mundo sobram os restantes 20%. É evidente que esse quadro econômico faz parte da nova economia global (que o autor coloca como única alternativa de revitalização básica do capitalismo avançado). Por outro lado, aceitar de forma contundente essa realidade significaria assumir um outro tipo de posicionamento ideológico, evidentemente contrário às estratégias do mercado global capitalista, e muito longe das intenções do senhor Antunes, já que colocariam em tela de juízo os fundamentos de seu discurso, que estaria direcionado a justificar sua “pedagogia do opressor”, destinada a mascarar essa própria realidade.

8 O horror do Che Guevara

Na verdade, Paulo Freire refere-se a Guevara como um líder revolucionário capaz de transformar a realidade através de uma ação intelectual e combativa. A figura grandiosa do “Che” transformou-se num ícone cultural que, apesar de seus erros, espalhou-se em todos os continentes como símbolo de rebeldia. Essa é a origem do horror que sua imagem causa nas mentes “pequeno-burguesas” de uma sociedade que fundamenta seu estilo de vida numa única missão: preservar a qualquer custo a “propriedade privada” como meta de sucesso individual.
Do ponto de vista sociológico, circular na rua com uma camiseta do Che Guevara pode provocar tal desaprovação a ponto de criar mal-estar em algumas pessoas, que atônitas, não chegam a compreender semelhante ato falho. Outras, mais pragmáticas, tentam conter um sorriso de desdém, como se estivessem olhando para um excêntrico. Alguns, ajustados ao mundo racional do mercado esboçam uma alternativa para aquela imagem, por exemplo, a de Adam Smith, que seria a figura mais conveniente, do ponto de vista ideológico, ao modelo neoliberal que predomina na atualidade. Não poderia ser de outra forma, já que neste início de século foram decretados pelos economistas políticos, o fim das ideologias e o triunfo do capitalismo. Na sociedade capitalista, a passividade do pensamento acrítico é o princípio da ordem. A sua reprodução histórica depende disso. Para tanto, os representantes da ideologia liberal usam o conceito da “mão invisível” para aliar a lógica do mercado às virtudes conservadoras da sociedade burguesa. Smith dizia que os homens devem ser ferozes na concorrência e humildes perante Deus. O sucesso dessa fórmula estaria no cruzamento do altruísmo e egoísmo, no cuidado meticuloso do cálculo dos custos e benefícios e na prática permanente da moralidade religiosa.
Numa imagem que faz de si próprio, o ocidente cristão configura-se como um mundo livre, racional e democrático, sem pretensões totalitárias ou populistas, no qual, todo indivíduo possui o direito de obter a felicidade a partir de seus próprios interesses particulares. Nesse contexto, o fundamentalismo liberal afirma de modo incoerente que o objetivo da produção é atender a falta de bens da população. Entretanto, a verdade é que a produção moderna está focada na maximização do lucro privado, no qual os bens produzidos devem render mais dinheiro do que os custos produtivos.
Nada disso está direcionado para cobrir as necessidades sociais, apenas serve para dar sustentabilidade à empresa num sistema de concorrência. Smith, em seu livro “A Riqueza das Nações” já tinha percebido esse fenômeno quando dizia “O interesse dos empresários por qualquer ramo de comércio ou indústria é sempre, em alguns aspectos, diferente e até mesmo oposto aos interesses do povo. Seu interesse é sempre diminuir a concorrência, e só poderá servir para permitir, ao aumentar seus lucros, cobrir, em proveito próprio, um imposto absurdo do resto de seus concidadãos”. Nada mais esclarecedor para dimensionar ideologicamente um pensador que tanto fez para institucionalizar um sistema econômico que hoje predomina sem questionamentos.
A estampa do Che Guevara numa camiseta, além de seu conteúdo banalizado pela propaganda inconseqüente, tem a característica, para aqueles que viveram a experiência da convergência da cultura e a política, de perceberem que o poder também pode existir em outros âmbitos da sociedade. O Che foi o emblema da revolta cultural, que permitiu sonhar com a capacidade de resistir ao domínio de classe, de duvidar de sua legitimidade, de contestar sua perpetuação. Nada tem de subversivo andar na rua com uma camiseta com a estampa do Che. Ela está destinada a resgatar os símbolos infiltrados no inconsciente da sociedade, como práxis cultural, muito longe daqueles que pautaram sua vida em ícones pecuniários como meta para sua existência terrena.

9 A educação como reprodutora da sociedade

Na sua maratona ideológica, Marco Aurélio Antunes faz uma crítica às restrições de Paulo Freire com relação a idéia de que a própria pedagogia é “oprimida”, opondo-se no sentido de que a educação “não tem como objetivo principal a transformação social” – e sim – “A educação é essencialmente a aquisição da autonomia do indivíduo, é um fim em si mesma, com a qual o indivíduo pode elevar-se, libertar-se: só quem é capaz de pensar por conta própria sabe o caminho a seguir; logo, só as pessoas educadas são livres”.
Entretanto, há um erro conceitual nessa definição de educação. Toda sociedade funciona através de mecanismos de controle social, impondo aos grupos normas e sanções sociais através da institucionalização das mesmas. Falar de “instituição” refere-se a um complexo específico de ações sociais. Isso sugere que as leis, as classes sociais, a educação e as religiões, sejam instituições que funcionam como um órgão regulador, pelo qual a conduta humana é padronizada e direcionada para comportamentos considerados desejáveis pela sociedade, e que são organizados e colocados em prática de forma tão sutil que o indivíduo os aceita como verdadeiros e sem questionamentos.
Pode-se observar que a canalização de determinados tipos de comportamentos traz consigo a idéia de que a sociedade não passa de uma gigantesca prisão, no qual os fatos sociais “são coisas” segundo a afirmação de Emile Durkheim, “possuidoras de uma existência objetiva externa a nós”. A sociedade, como fato externo à consciência individual, manifesta-se, sobretudo, na forma de coerção. As instituições moldam a conduta dos indivíduos e suas ações. Serão recompensados enquanto se limitem a representar seus papéis. Se saírem fora deles, a sociedade pune-os com vastos meios de controle e coerção. As sanções da sociedade são capazes, em todo momento, de condená-los ao opróbrio, de expô-los ao ridículo, de privá-los do sustento ou da liberdade.
Percebe-se com isso, que a dignidade humana é uma questão de permissão social. A lei e a moralidade da sociedade podem apresentar milhares de justificativas para cada uma dessas ações, e a maioria das pessoas aprovará candidamente a sua aplicação como castigo pelo “desvio”. O ser humano não vale nada como biografia individual, apenas a sociedade como entidade histórica tem as atribuições de homologar o “repertório de papéis”, no qual a submissão total a esses padrões de comportamento, dificilmente perturbará aqueles que são incapazes, devido a sua posição social privilegiada, de questionar a sociedade nas possíveis falhas de reprodução do modelo social vigente.

10 Manipulação e consciência de classe

Paulo Freire, ao falar de manipulação, descreve como as os grupos de poder estimulam cada um delas a querer representar a sociedade, pretendendo e decidindo a sorte e a posição das outras classes. Através da manipulação, esses grupos fazem com que as massas populares não percebam a revelação ou a dissimulação do caráter de classe da sociedade, conforme expressa Freire.

“Através da manipulação, as elites dominadoras vão tentando conformar as massas populares a seus objetivos. E, quando mais imaturas, politicamente, estejam elas (rurais e urbanas), tanto mais facilmente se deixam manipular pelas elites dominadoras que não podem querer que se esgote seu poder. A manipulação se faz por toda série de mitos a que nos referimos. Entre eles, mais este: o modelo que a burguesia se faz de si mesma às massas com possibilidade de ascensão. Para isto, porém, é preciso que as massas aceitem sua palavra” (FREIRE, 2001, p.144).

Com isto, Antunes nunca concordaria, já que o interesse de classe do qual é portadora a inconsciência ideológica, nunca lhe permitiria entender que sua orientação está presa aos sintomas de evolução, e não da própria evolução, configurada em função de manifestações parciais da sociedade e não do conjunto da estrutura da sociedade.
O desenvolvimento histórico das forças produtivas resultou numa capacidade crescente das sociedades de produzirem excedentes sociais cada vez maiores. Nesse contexto histórico, cada sociedade foi dividida, de modo geral, em dois grupos separados. A maioria dos seres humanos, trabalha para produzir o necessário para sustentar e perpetuar o modo de produção, assim como o excedente social, enquanto uma minoria se apropria desse excedente e o controla.
As classes sociais, segundo esse critério, são diferenciadas em função das relações sociais de produção que se estabelecem entre ambas. Uma das características fundamentais do sistema capitalista está definida pela existência de uma numerosa classe trabalhadora, que não possui qualquer controle sobre meios necessários para a execução das atividades produtivas, e apenas pode entrar no mercado se conseguir vender seu único patrimônio, a força de trabalho. Em troca recebe um salário para produzir as mercadorias que pertencem ao capitalista. Dessa forma, as relações sociais de produção se consolidam a fim de garantir a própria reprodução do modelo econômico vigente.
Entretanto, às vezes surgem conflitos entre o capital e o trabalho. Podem ser produto de reivindicações por melhorias salariais, por problemas hierárquicos ou por causa do desemprego compulsivo. É a partir desse momento que surge o que se chama “interesse de classe”, que são as aspirações que manifestam os grupos sociais motivados por problemas atuais de sua existência. Por outro lado, a “consciência de classe” é um dado objetivo vinculado a uma situação objetiva: a situação que cada classe ocupa na produção social.
È possível que um membro de uma classe social adote um posicionamento a favor de uma outra classe diferente, principalmente quando aquela faz parte das camadas populares? Claro que sim, a “posição de classe” refere-se a “tomada de partido” por uma classe determinada, que significa defender e lutar pelos seus interesses de classe, adotar seu ponto de vista, integrar suas fileiras. Existem intelectuais que aderem a essas idéias, porque se convenceram da verdade e a eficácia política de assumir a “consciência de classe”, fundamentada num projeto e numa realidade objetiva baseada nos interesses estratégicos a longo prazo. Paulo Freire sempre foi um deles. Essa é a essência do seu pensamento.

11 Conclusão

A “pedagogia do opressor” encarna a fatalidade de sua própria existência. Ela é incapaz de ultrapassar a plena consciência de sua situação, sujeita a descobrir a ausência da capacidade de evolução. É por isso que a consciência e interesse se encontram em oposição contraditória. Enquanto outras classes enquadradas num processo de produção particular são incapazes de incorporar a consciência de classe, a burguesia pode, conforme expressa Lukács.

“Faze-lo por meio do desenvolvimento da consciência de classe, e unicamente esta vê pesar sobre si – desde o início e em razão de sua essência – a maldição trágica que a condena, alcançando o ápice da sua desenvolução, a entrar em contradição insolúvel com ela própria e, por conseguinte, a suprimir-se a si mesma. A contradição se manifesta, sociologicamente, no que a burguesia está obrigada pôr em ação, teórica e praticamente, para fazer desaparecer da consciência social o fato da luta de classes, apesar da sua forma social parecer, pela primeira vez, a luta de classes em estado puro, e fixado, também historicamente pela primeira vez, essa luta de classes como um fato” (LUKÁCS, 1979, p.34).

Poder-se-ia finalizar dizendo que a dominação da burguesia não passa além da dominação de uma minoria. Como essa dominação é exercida pelo interesse de classe como condição histórica da reprodução do modelo burguês, é necessário que as outras classes se iludam, perpetuando-se numa situação de consciência de classe confusa. A burguesia, para tanto, deve apresentar o Estado como um aparelho institucional impessoal e imparcial, de modo a mascarar a essência da sociedade burguesa e todas suas contradições.
Numa sociedade dividida entre dominadores e dominados há uma luta permanente entre o poder e a libertação. Tal poder deve ser confrontado através de uma ação política conscientizadora, já que não existe para os homens e mulheres atuais, outra determinação mais importante que aquela que surge desta premissa, porque a historicidade do ser humano sempre foi a reprodução de etapas superiores de sua própria humanidade. Tal melhoria como máxima exteriorização de “um comportamento ético”, deve ser, por outro lado, uma atividade direcionada para o exterior. A superação do “ethos” só existe no marco do desenvolvimento das relações externas entre os indivíduos. A atividade transformadora direcionada para o “exterior” é o campo da política, porque o problema do poder totaliza a questão vital da realização humana de cada sociedade.
A sociedade opressora castra essa realização porque não existe nela a criatividade que transcenda o interesse individual; a criação se direciona a competição com os outros, se expressa na individuação em detrimento do coletivo, no lugar da individuação como enriquecimento do social. A libertação de toda forma opressiva é a causa histórica dos oprimidos, que se expressa como uma causa universal, cuja concretização depende de uma situação superior da atividade transformadora: Todo o poder ao povo, porque um poder popular é a eliminação das formas opressivas do controle da sociedade.
O antagonismo entre duas classes historicamente definidas implica uma mútua determinação entre a atividade transformadora e a consciência de sua existência, que é a consciência do antagonismo. A resolução entre as duas formas da consciência: a implícita na prática, que é coletiva e, a outra, superficialmente explícita, expressa uma conjunção de esforços a partir de uma atitude não crítica, que entra em contradição com a primeira porque toda prática significa a ruptura da situação, enquanto a segunda é a legitimação daquilo que não se discute. A resolução dessa contradição resulta numa consciência crítica, uma compreensão da realidade de classe, do indivíduo e das condições de opressão. Surge daí uma prática diferente, porque a atividade transformadora é direcionada a mudar o sistema de poder que legitima essa realidade opressiva.
A compreensão crítica viabiliza uma consciência de identificação e ideologia, já que a imaginação precisa da “hegemonia popular” como única forma de universalizar a liberdade humana. Esta é uma concepção do mundo superior e coerente, consolidada na comprovação de que as lutas pela hegemonia, em diversos momentos históricos, sempre teve como resultado um processo de libertação do ser humano.





REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


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OSSOWSKI, Stanislaw. Estrutura de classes na consciência social. Rio de Janeiro: Zahar, 1964.

OHMAE, Keniche. El fin Del estado-nación. Santiago: Andrés Bello, 1997.

ROLDÁN, Marta. Globalización o mundialización? Buenos Aires: EUDEBA, 2000.

LUKÀCS, Gyorgy. A consciência de classes. Rio de janeiro: Zahar, 1979.