quarta-feira, 5 de dezembro de 2007

A GUERRA DOS MUNDOS

O clássico de ficção científica “A Guerra dos Mundos” do escritor inglês Herbert George Wells (1866-1946), o qual teve uma adaptação cinematográfica em 1953, dirigida por Byron Haskin, e atualmente exibido na sua versão moderna que, magistralmente dirigida pelo diretor Steven Spielberg, mostra-nos os terrores desencadeados por “inteligências maiores que a do homem e, no entanto, tão mortais quanto a dele próprio” termina, em términos filosóficos, colocando em questionamento a própria trajetória da nossa espécie como tal.

O ser humano possui uma entranha propensão à perversidade. O fato de imaginar que está sendo observado por seres de outros mundos, o leva a criar horrores que só poderiam ser provocados por outros seres distintos de nós. Criando ficção científica de terror, afasta-se daquilo do qual o homem é incapaz de reconhecer em si próprio. Ironicamente, a transmissão radiofônica de trechos do livro, como se tratando de uma real invasão extraterrestre, realizada pelo ator e cineasta Orson Welles em 1938, terminou provocando uma onda de pânico em grande parte da população americana naquela ocasião.

Há muitos relatos parecidos ao do filme “A Guerra dos Mundos”, os quais contam os terrores experimentados por civilizações que se defrontaram com seres implacáveis e destruidores, não necessariamente extraterrestres. Quando Fernão Cortez e Francisco Pizarro chegaram à capital dos Astecas, o imperador Montezuma, segundo contaram os informantes do frei Bernardino de Sahagún, recebeu em seu palácio, as primeiras notícias aterradoras dos invasores vindos em aparelhos infernais navegando nas águas. O estrondo dos canhões desconhecidos e os seres de barba branca e pele cor de cal, encima de animais estranhos (cavalos) e com vestimentas e capacetes de metal prateado, disparavam “fogo e raios mortíferos” com fumaça preta que tornava o ar violentamente irrespirável.

Ao contrário do filme, os invasores tiveram mais sorte na conquista. Os astecas, os Maias e os Incas, ao entrarem em contato com os invasores morriam como moscas, e “seus organismos nem sequer opunham defesas contra essas novas doenças” trazidas do outro lado do continente. “A varíola e o tétano, doenças pulmonares, intestinais e venéreas, o tracoma e o tifo, a lepra, a febre amarela e as cáries que apodreciam as bocas”, relata Eduardo Galeano em seu livro “As veias abertas de América latina”, eram umas das formas mais terríveis de extermínio em massa de populações totalmente indefesas perante essas doenças devastadoras. Os cidadãos cinéfilos que forem assistir ao filme “A Guerra dos mundos” terão a oportunidade inédita de fazer comparações com os destinos de algumas civilizações e, por outro lado, reeditar um dos trechos mais importantes do livro original, que encerra uma profética advertência: “Entretanto, na outra margem do golfo do espaço, mentes que são para as nossas mentes o que as nossas são para os animais que perecem, intelectos vastos, frios e impassíveis contemplavam esta terra com olhos cobiçosos, e lenta, mas firmemente, traçavam seus planos contra nós”. Sem conjecturas além do campo da realidade, talvez seja a hora de construir um mundo sem seres que reproduzam de maneira inconsciente os próprios demônios criados pelos habitantes deste planeta, irreconciliáveis com a idéia de um futuro melhor para esta e as próximas gerações.

A TRISTE HISTÓRIA DA VENEZUELA

Na Venezuela dos anos vinte, o poço de “La Rosa” lançava à superfície cem mil barris por dia. Ao mesmo tempo, o ouro negro coexistia no meio de imensos latifúndios, guardados zelosamente por fazendeiros que, a qualquer desvio, castigavam seus peões enterrando-os vivos até a cintura. A magnificência do lago de Maracaibo escondia nas suas entranhas um tesouro que só traria miséria e desgraça a muitas comunidades indígenas e de agricultores que, despojados de suas terras, foram compulsoriamente submetidos à lei do petróleo de 1922, redigida descaradamente por três empresas americanas. As concessões à Shell, Standard Oil e Gulf permitia cercar os campos petrolíferos com arame farpado e dispor de uma polícia própria. Não havia permissão sequer para transitar pelas estradas que escoavam o petróleo aos portos. Segundo a revista Time de 11 de setembro de 1953, citada por Eduardo Galeano nas “Veias Abertas da América Latina”, um negociante de petróleo americano declarava cinicamente em Caracas “Aqui, as pessoas têm a liberdade de fazer com o dinheiro o que quiserem; para mim, esta liberdade vale mais do que todas as liberdades políticas e civis juntas”. É claro, sempre que isso seja em benefício das minorias privilegiadas. Na década de 60, a Venezuela era um barril de petróleo no qual flutuavam “os automóveis e as geladeiras, o leite condensado, os ovos e as alfaces” importados dos Estados Unidos. Também, no subsolo ignorado, os “cárceres e as câmaras de torturas” instaladas por decreto. A vertiginosa construção de um país de produtos enlatados, dependente da modernização reflexa, no qual uma classe média de salários inimagináveis, que mora nos grandes centros urbanos, e não consegue frear a “ansiedade de gastar, consumir, obter, usar, apoderar-se de tudo”, enquanto nas “ladeiras dos morros, mais de meio milhão de desvalidos contempla, de suas choças armadas de lixo, o desperdício alheio”, se escandaliza perante os discursos que podem colocar em risco sua fartura novelesca. Quando se fala de democracia, devemos estar atentos aos significados históricos do termo, para não confundir-la com outras acepções. No plebiscito do domingo na Venezuela houve entre o Sim e o Não uma pequena diferença. Isso mostra duas coisas. Por um lado, a existência de desigualdades desoladoras e antagônicas entre as classes sociais e, por outra, a legitimidade do Poder Eleitoral, sempre questionado pelos setores de oposição ao governo, que ganha, neste caso, a suficiente credibilidade para demonstrar a capacidade de tomar suas próprias decisões.